O Globo Rural já mostrou muita horta orgânica. Em geral, são pequenos sítios, com poucos canteiros. Mas há uma fazenda certificada, que investiu em tecnologia para produzir hortaliça orgânica em grande escala.
A propriedade fica em Brasília, a 70 quilômetros do Congresso, e usa um sistema integrado com a criação de gado de leite. A fazenda está batendo os índices de produtividade de muitas hortas convencionais.
Olhando do alto parece até que embaixo tem uma porção de sítios, um do lado do outro. Mas não é. É tudo a Fazenda Malunga. São 42 hectares de horta, quatro mil canteiros.
Tem alfaces diversas, couve, cenoura, vagem e beterraba. Há mais de 40 variedades de verduras e legumes. É tudo irrigado por 36 quilômetros de canos e mangueiras. A qualquer hora tem gente plantando, colhendo, transportando e embalando verdura.
O cultivo não usa veneno nem adubo químico industrializado. Essa história começou há quase 20 anos, quando Joe Valle, dono da propriedade, ainda cursava a faculdade de engenharia florestal. “Eu comecei produzindo convencional. Eu tive uma série de problemas. A produção até saiu bonita, mas nós não conseguimos vender. Com isso, não tínhamos dinheiro. Eu tive uma leve intoxicação. Eu cheguei a um momento de quase desistir. Eu pensei: se produzir alimentos é isso daqui, eu não quero fazer isso. Intoxica o solo, me intoxica e eu estou vendendo um alimento que não tenho segurança de entregar”, lembrou.
Foi durante um estágio da faculdade que Joe conheceu a agricultura orgânica. Ele começou uma horta pequenininha, com quatro canteiros. A colheita cabia todinha dentro de uma perua.
Tudo na fazenda funciona de maneira integrada. É um sistema que começa com a criação de gado de leite. A base do sistema de integração está dentro do curral, mais especificamente na cama do gado, na mistura de esterco com palha seca.
Célio Mendes, encarregado do setor, explico que a cama tem que ser trocada periodicamente. “Esse trabalho deve ser feito de duas em duas semanas. A gente tem que garantir também a qualidade do produto”, falou.
A qualidade da cama tem papel fundamental no sucesso do sistema. Ela vai virar adubo para horta. Mas isso fica para mais adiante. Primeiro, vamos conhecer melhor os animais, que também são criados no sistema orgânico.
De mamando a caducando, o rebanho da fazenda tem 186 animais. Todos são da raça gir. “Nós tentamos trabalhar com gado holandês, mas dava carrapato e outros problemas. E a gente descobriu o gir, um gado do mundo tropical adaptado ao calor. A origem dele tem as moscas e os carrapatos. E ele se da bem se ser preciso usar nenhum tipo de produto”, justificou Joe.
Animais resistentes são essenciais num sistema que não permite o uso de medicamentos convencionais como carrapaticidas, vermífugos e antibióticos.
Mas a genética sozinha não da conta do recado. É preciso também caprichar no manejo, principalmente na alimentação. Os animais passam parte do tempo no pasto, uma área de mais ou menos 50 hectares dividida em piquetes.
Além de bons capins, como a grama estrela e o tifiton, o pasto da fazenda vem sendo enriquecido com o plantio de leguminosas como a leucena e a flor do mel, uma planta de origem mexicana, rica em proteína, que também serve para a produção de silagem. O tempo de permanência dos animais no pasto varia de acordo com a época do ano.
“Oitenta por cento no verão ficam no pasto e 20% ficam no curral. E investe isso quando chega no inverno”, esclareceu Joe.
No período da seca, os animais recebem suplementação no cocho: silagem de capim com flor do mel e aveia fresca. No sistema de integração, durante o ano inteiro, o rebanho também ganha o que parece ser a comida preferida dele. São sobras de verduras e legumes que saem fresquinhos da horta.
Quando o manejo e a alimentação não são suficientes e algum animal adoece, entra em cena a Vera Vitorino, especialista da fazenda em tratamentos homeopáticos, que a legislação de orgânicos permite. “Eu uso barbatimão, que serve para a cicatrização e como antiinflamatório”, disse.
O barbatimão é uma árvore nativa do cerrado. O extrato é feito com a casca do tronco.
A fazenda também usa produtos homeopáticos comerciais, já bastante conhecidos no mercado, que funcionam como preventivos contra infecções, mastites e carrapatos. Cada vaca recebe uma dose individual desses medicamentos junto com a ração na hora da ordenha.
O manejo caprichado vem dando bons resultados. Hoje a fazenda tem uma média de 50 animais em lactação.
Toda a produção segue para o laticínio da propriedade. O leite é pasteurizado para ser vendido in natura ou é transformado em queijos, manteiga e iogurtes.
A fazenda trabalha pra ser autosuficiente. Hoje, já produz boa parte dos insumos usados na horta. Todos os adubos são preparados na propriedade. No sistema de integração, a cama das vacas, aquela mistura de esterco, urina e palha seca, é transformada em composto orgânico.
No pátio de compostagem, a cama é empilhada, molhada e revirada periodicamente até virar adubo.
A fazenda também fabrica os chamados biofertilizantes, adubos líquidos que servem tanto para nutrir as plantas quanto para ajudar no controle de pragas e doenças.
O agrônomo Luiz Geraldo Santos, consultor técnico da empresa, explicou um detalhe muito importante: na fazenda se faz um biofertilizante para cada tipo de cultura. “O objetivo é equilibrar a planta para que ela manifeste o máximo de resistência natural que ela tenha. Hoje, nós temos 15 e o fertilizante. Essa variação acontece por causa do tipo de solo diferente, da diferente demanda nutricional por espécie e até pela época do ano com clima diferente. Conforme essas variações, é preciso adequar as proporções”, disse.
O técnico agrícola Cláudio Duda contou como se prepara um biofertilizante para a alface. Há uma grande quantidade de ingredientes necessários para a receita. “São usados leite, gesso, fubá, melaço, farinha de sangue, zinco, manganês e outros”, disse.
Os ingredientes são colocados numa bombona e misturados com água. Vão passar pelo menos uma semana fermentando e recebem oxigênio o tempo todo. “Na ausência de oxigênio fica com mau-cheiro”, esclareceu.
Outro adubo feito na fazenda é o bokashi. Ele leva praticamente os mesmos ingredientes do biofertilizante. Só que é tudo seco. Para a mistura fermentar, ao invés de água, vai composto orgânico.
A fazenda também produz todas as mudas de que precisa. Construiu um viveiro e mantém uma equipe só pra esse trabalho.
Para manter o solo equilibrado entra em cena uma outra tecnologia bem simples, bastante conhecida e que dá ótimos resultados: a adubação verde. São usados milheto no verão e aveia preta no inverno.
No sistema de integração com a pecuária, o adubo verde serve tanto melhorar o solo quanto para alimentar o gado. Essas plantas entram num esquema de rotação de culturas com as hortaliças.
Link para assistir ao vídeo da matéria:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1143104-7823-HORTA+ORGANICA+PRODUZ+QUASE+TONELADAS+DE+HORTALICAS+POR+MES,00.html
Fonte: Globo Rural