A demanda mundial por comida crescerá 20% em dez anos, e ao Brasil caberá elevar a produção em 40%

Por Roberto Rodrigues

A SÉRIA revista britânica “The Economist” publicou na semana passada uma longa matéria elogiando a agricultura brasileira, que está causando enorme sentimento de orgulho em todo o interior do nosso país. Afinal, o artigo chama a atenção do mundo desenvolvido para o espetacular crescimento de nossa agropecuária -e sem subsídios.

Mais do que isso, o articulista enfatizava o caráter sustentável desse crescimento, mostrando que o produtor brasileiro, confrontado com o protecionismo exagerado dos governos dos países ricos para com seus agricultores, optou pela incorporação de tecnologia e de gestão, vencendo os concorrentes através da melhoria da sua competitividade.

E sempre é bom lembrar que um produto só é competitivo se tiver qualidade e preço que agradem ao consumidor.

Com efeito, o grande desafio da humanidade no século 21 é compatibilizar a necessidade de aumentar a produção de alimentos com a preservação dos recursos naturais.

Se as previsões da OCDE/FAO estiverem corretas – e tudo indica que estão -, a demanda mundial por comida crescerá 20% nos próximos dez anos, e ao Brasil caberá aumentar em 40% sua produção para compensar a incapacidade de crescimento das outras regiões produtoras. Isso significa aumento de produção de quase 4% ao ano, um número nada trivial.

E, é claro, não faltam os adversários do nosso agro, concorrentes lá de fora ou desinformados daqui, apregoando que nosso crescimento se dará à custa da derrubada da Amazônia ou que tais.

A verdade, como mostrado na publicação inglesa, é que nosso agro é extremamente sustentável, e isso não é uma promessa, pois já demos prova desse fato: nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos no Brasil aumentou 25% e a produção saltou 154%!

Isso significa que, se tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare de 20 anos atrás, necessitaríamos de mais 42 milhões de hectares de mata para termos a mesma produção. Isso ninguém fala, ninguém comenta -foi preciso um inglês reconhecê-lo. O mesmo se dá com a cana-de-açúcar, cuja produtividade cresceu quase 60% desde que o Proálcool começou, “salvando” mais de 4 milhões de hectares.

Pois é com base nesses dados esclarecedores que a “The Economist” lança o alerta aos agricultores europeus: “Copiem os brasileiros, com tecnologia em vez das tetas dos governos” (claro que não é assim que está escrito, mas o espírito é esse).

E, apesar de que uma minoria dos nossos proprietários rurais ainda não está respeitando os preceitos da sustentabilidade, a grande maioria já está no caminho adequado.

Se não fosse por outra razão, a simples necessidade de competir para sobreviver levou a isso. Depois da dura tríplice colisão vivida pelo campo brasileiro entre o Plano Collor (1990) e o Plano Real (1994), fomos forçados a buscar tecnologia e gestão para avançar. O país tinha uma inflação surreal de mais de 50% ao mês, era fechado em relação ao mundo e vivia com políticas públicas protecionistas. E, de repente, após aqueles planos, a inflação ficou civilizada, o país se abriu ao mundo sem nenhuma proteção e a política pública faliu. Foi um duríssimo processo de ajuste que custou caro socialmente: milhares de produtores, sobretudo os pequenos e os da fronteira agrícola, perderam tudo o que tinham. E os remanescentes precisaram se reinventar.

É verdade que ainda restam pesadas dívidas daqueles tempos, mais tarde aumentadas com a maior crise agrícola dos últimos 50 anos nos anos 2004/6, mas isso tudo deverá ser superado e o país poderá avançar se tiver juízo e eliminar os resíduos do velho “custo Brasil”.

Mas também é preciso que os produtores europeus, norte-americanos e asiáticos leiam bem a “The Economist”, e tratem de colaborar para a finalização da Rodada Doha da OMC. É lá que será decidida a redução do protecionismo agrícola dos ricos, dando chance aos produtores tropicais de seguir o exemplo do Brasil e ocupar seu espaço no comércio mundial agrícola.

ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp – Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).

Fonte: Folha de São Paulo