A falsa premissa do preço dos alimentos

Por Edmundo Klotz

É recorrente a prática existente no Brasil, em especial em alguns segmentos do setor público e nichos dos formadores de opinião, de fazer diagnósticos incorretos sobre problemas nacionais. O mais grave é que a percepção distorcida de cenários e tendências acaba comprometendo a eficácia das soluções, prejudicando muito a economia, a sociedade e o País. Exemplo atualíssimo desse fenômeno cultural verifica-se na perigosa generalização quanto à pretensa pressão dos alimentos sobre o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado do primeiro bimestre (1,54%), que acaba de ser divulgado.

Está-se analisando, a rigor, um fenômeno de causa meramente sazonal (as chuvas recordes) como se fosse algo de caráter estrutural do setor de alimentos. Neste momento em que o Brasil emerge da grave crise mundial, não é hora de perder tempo com falsas premissas. Assim, é preciso esclarecer o que está acontecendo: o aumento de preços dos alimentos refere-se a produtos in natura. É óbvio que as chuvas prejudicam sua produção, efetuada, de modo mais acentuado, nos cinturões verdes, no entorno dos grandes centros de consumo. Verduras, legumes e hortaliças têm ciclo de produção muito rápido e são suscetíveis às oscilações climáticas, que se refletem nos preços.

Por outro lado, os produtos da indústria de alimentação não refletem essas sazonalidades, pois seu ciclo é de médio e longo prazo. Por isso, seus preços continuam estáveis e não exercem qualquer pressão nos preços gerais da economia e, portanto, no tocante à inflação. É preocupante verificar que o setor, que tem sido decisivo para a economia brasileira, comece a ser injustamente apontado como um dos causadores de pretenso aumento inflacionário. Para se ter ideia do significado de sua contribuição para a produção industrial e a balança comercial do País, é importante recorrer a alguns dados: em 2008, no período pré-crise, as exportações brasileiras totais foram de US$ 197,94 bilhões e as importações, de US$ 172,98 bilhões, gerando saldo comercial de US$ 24,96 bilhões. No mesmo ano, as vendas externas de alimentos processados (industrializados + semielaborados) totalizaram US$ 33,30 bilhões e as importações, US$ 3,36 bilhões, resultando em superávit de US$ 29,94 bilhões. Ou seja, sem o superávit do setor, teríamos tido um saldo de toda a balança comercial menor.

Em 2009, em pleno ano da crise, as exportações brasileiras foram de US$ 152,99 e as importações de US$ 127,64 bilhões, com saldo positivo de US$ 25,35 bilhões; as vendas externas de alimentos industrializados totalizaram US$ 30,86 bilhões e as importações, US$ 3,16 bilhões, gerando superávit de US$ 27,70 bilhões. Ou seja, em 2009, a indústria brasileira da alimentação ainda financiou em US$ 2,35 bilhões o saldo total da balança comercial brasileira.

Em 2010, o setor deverá experimentar crescimento da produção em torno de 4,5%. Suas vendas deverão ter incremento real de 5%. A estimativa para o total das exportações é de US$ 32 bilhões, mesmo assim aquém do montante das exportações no período pré-crise global em 2008. Em 2009, enquanto grande parte dos segmentos demitiu e reduziu a massa salarial, a indústria da alimentação (alimentos + bebidas) ampliou em 15 mil empregos diretos o seu contingente de trabalhadores. Este ano, deverá criar cerca de 45 mil novos postos de trabalho.

Quanto ao preço dos alimentos ao consumidor, os dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) ligada à Universidade de São Paulo (USP) mostram que, no acumulado de 2009, os alimentos industrializados correram abaixo da inflação, ou seja, 2,85%, contra o índice geral de 3,65%. Já os preços dos produtos in natura que não sofrem qualquer processamento industrial cresceram 13,83% e o das refeições fora do lar, que também compõem o item Alimentação do índice Fipe, 7,98%.

Fica clara, portanto, a impertinência de se imputar à indústria alimentícia responsabilidade pela pressão inflacionária. É preciso estar alerta, evitando-se que a cultura dos diagnósticos equivocados acabe suscitando danos a uma atividade que muito tem contribuído para a economia do País. Aliás, cabe outra ressalva: não culpemos, tampouco, as alfaces e os tomates, comprados na feira nossa de cada dia. Quando as águas de março fecharem o verão, a oferta voltará ao normal e seus preços irão estabilizar-se. Assim, é desnecessário aumentar juros ou adotar outras medidas monetárias emergenciais. Afinal, nossa economia vai bem, e os alimentos industrializados, tenham certeza, não ameaçam a meta inflacionária!

Edmundo Klotz é presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

Fonte: Paraná Online