Por Marco Antonio Ferreira Gomes e Lauro Charlet Pereira, pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente
A água é um recurso natural essencial para a sustentação da vida e do meio ambiente. Ela desempenha um papel importante no processo de desenvolvimento econômico e social de um país, sendo, historicamente, um dos principais fatores limitantes para o crescimento e desenvolvimento econômico das civilizações. Entre os fatores que mais têm afetado esse recurso estão o crescimento populacional e os setores produtivos, entre os quais a agricultura. Essa situação tem conduzido a uma reformulação da concepção do gerenciamento da água, apresentando desafios às entidades de ensino, pesquisa e extensão, aos órgãos governamentais e não governamentais. A discussão de temáticas sobre recursos hídricos, com o envolvimento da agricultura e do meio ambiente, é fundamental para a conscientização e a participação da sociedade, objetivando a gestão viável e eficaz desses recursos, sobretudo com visão futura quanto ao legado a ser deixado para as gerações vindouras.
A agricultura, ao mesmo tempo em que é taxada de grande consumidora de água e como atividade de risco de contaminação do meio ambiente por agroquímicos, e assim entendida por muitos como uma “vilã dos recursos hídricos”, é também aceita como um dos principais provedores de serviços ambientais, embora geralmente esses ainda não sejam reconhecidos e remunerados. Adicionalmente à sua função essencial em atender a demanda crescente por alimentos e outros produtos agrícolas, a agricultura tem um papel importante no “sequestro de carbono”, com minimização de alguns efeitos adversos das mudanças climáticas, na gestão de bacias hidrográficas e na preservação da biodiversidade.
Assim, diante do exposto, fica evidente a necessidade de pesquisas constantes e pertinentes ao tema, aliadas à adoção de ações efetivas, com envolvimento de todos os segmentos da sociedade; sabe-se, teoricamente, que as soluções estão embasadas nos princípios da sustentabilidade do setor agrícola, cujo fundamento está alicerçado na integração das três vertentes básicas – equilíbrio ambiental, viabilidade econômica e justiça social. O desafio básico então está em combinar reformas políticas e inovações tecnológicas que atendam as agendas de agricultura e de meio ambiente, sem conflitos e interesses específicos, diferentemente do que acontece hoje no Brasil, com o embate político envolvendo Código Florestal e Código Ambiental.
Portanto, alcançar níveis que conduzam à sustentabilidade ambiental constitui o maior desafio de toda a humanidade e, certamente, haverá um custo muito elevado se tal desafio não atingir os objetivos propostos em um espaço de tempo relativamente curto.
O cenário mundial atual mostra que o uso da água é muito mais intenso do que há poucas décadas atrás. Atualmente, a média mundial é que da água doce utilizada, 70% destina-se à agricultura, 20% à indústria e 10% para o consumo humano. Esse uso intenso da água, principalmente na agricultura e na indústria, ocorre num ritmo mais acelerado que a reposição feita pelo ciclo natural das águas. Dessa forma, muitos mananciais estão sendo extintos em decorrência do uso indiscriminado e predatório, não só sob o aspecto quantitativo, mas também qualitativo.
Pior, ao devolver a água para seu ciclo natural, ela vem contaminada pelos agrotóxicos da agricultura e pela química da indústria. A falta de saneamento ambiental, sobretudo em países pobres, colabora sensivelmente para a contaminação dos mananciais. Em conseqüência, hoje no planeta, segundo a ONU, 1, 2 mil milhões (bilhões) de pessoas não têm acesso à água potável e 2, 5 mil milhões (bilhões) não têm acesso ao saneamento.
O impacto na saúde humana e no meio ambiente é uma tragédia. Portanto, a chamada “crise da água” é de quantidade e qualidade, não por razões naturais, mas pelo uso irresponsável que o ser humano dela faz. Essa situação se agrava mais ainda quando a ambição, visando usos futuros privados da água, também a privatiza. A escassez produzida então passa a ser quantitativa, ou qualitativa, ou social, ou em todos esses níveis simultaneamente.
Mesmo havendo água suficiente no Planeta para todos os seres vivos, desde que gerenciada com sustentabilidade, sua distribuição é muito desigual. Os países mais pobres em água sofrem com sua escassez particular. Na outra ponta, continentes inteiros, como é o caso da América Latina (AL), têm abundância de água doce.
Para exemplificar, o Peru é um país que está situado no parâmetro de “suficiente”. Sua disponibilidade per capta de água hoje é de aproximadamente 1.790 m³ por ano. Entretanto, a projeção é que no ano de 2025 sua disponibilidade caia para 980 m³ por pessoa por ano. Deixaria de estar na faixa de suficiente para a situação de estresse. Mesmo assim, apresenta uma disponibilidade de água muito superior a vários países. Já países como Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Argentina e Chile situam-se no parâmetro de países “ricos”, isto é, têm entre 10.000 e 100.000.000 m³/pessoa/ano. Já a Guiana Francesa situa-se na faixa dos “muito ricos”, isto é, acima de 100.000 m³/pessoa/ano.
Para se ter uma idéia da disponibilidade de água na América Latina, basta analisar os dados da tabela abaixo e compará-los com aqueles que estão imediatamente acima. Ver-se há que na AL as condições são muitas vezes mais confortáveis, mesmo em locais que não chovem nunca. Por exemplo, Lima no Peru nunca chove; entretanto, as águas que descem dos Andes abastecem a capital do Peru. Para se ter uma dimensão da nossa disponibilidade hídrica basta compararmos o volume de nossas águas com países onde realmente ela é escassa para termos uma noção da abundância que temos.
País Disponibilidade m³/hab./ano
Kuwait – Praticamente nula
Malta – 40
Qatar – 54
Gaza – 59
Bahamas – 75
Arábia Saudita – 105
Líbia – 111
Bahrein – 185
Jordânia – 185
Singapura – 211
O Brasil detém cerca 12% da reserva hídrica do Planeta, com disponibilidade de 182.633 m3/s, além de possuir os maiores recursos mundiais, tanto superficiais (Bacias hidrográficas do Amazonas e Paraná) quanto subterrâneos (Bacias Sedimentares do Paraná, Piauí, Maranhão).
Todo esse potencial tem o reforço de chuvas abundantes em mais de 90 % do território, aliadas a formações geológicas que favoreceram a gênese de imensas reservas subterrâneas, como também possibilitaram a instalação de extensas redes de drenagem, gerando cursos d’água de grandes expressões. Todavia, esse potencial hídrico é distribuído de forma irregular pelo país. A Amazônia, por exemplo, onde estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 78% da água superficial.
Enquanto isso, no Sudeste, essa relação se inverte: a maior concentração populacional do País tem disponível 6% do total da água. Mesmo na área de incidência do Semi-Árido (10% do território brasileiro; quase metade dos estados do Nordeste) não existe uma região homogênea. Há diversos pontos onde a água é permanente, indicando que existem opções para solucionar problemas sócio-ambientais atribuídos à seca.
As perspectivas de mudança e o surgimento de novos cenários dentro do ambiente agrícola se darão, necessariamente, em função das alterações do clima, as quais afetarão sensivelmente, não só a disponibilidade de água, mas a sobrevivência de diversas espécies, tanto animais quanto vegetais. Os próximos anos, já a partir de 2010, em que se espera perda de produção e de produtividade das lavouras e pastagens, haverá necessidade de esforços extras da ciência e da tecnologia para produzir alimentos. A escassez de água obrigará, necessariamente, a adoção de técnicas mais racionais de irrigação e com o máximo de aproveitamento (eficiência) dos recursos hídricos.
Diante do exposto, deve-se considerar a importância do avanço tecnológico, principalmente na área de biotecnologia e do melhoramento genético, aliadas aos aspectos de sustentabilidade ambiental, saúde pública e qualidade de vida. No ambiente agrícola, por exemplo, é imprescindível a adoção de técnicas e procedimentos que protejam o solo e a água, seja em relação aos processos erosivos, de contaminação e mesmo de perda excessiva de umidade por evaporação e evapotranspiração.
O atual estado de conhecimento técnico-científico já permite a adoção e implementação de técnicas direcionadas para o equilíbrio ambiental, reportadas e descritas em diversos trabalhos com fundamentos de caráter sustentável (Cerdeira et al, 2008; Gomes et al, 2008); porém, o desafio maior está em colocá-las em prática, uma vez que isso implica em mudança de comportamento e de atitude por parte do produtor rural, aliadas à necessidade de uma política de governo que valorize a adoção dessas medidas.
Sites consultados
http://www.pnud.org.br – documento gerado: 27/11/2009 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD).
http://www.ecodebate.com.br/2008/07/18/25 (2,5 bilhões não têm acesso à saúde).
http://planetasustentavel.abril.com.br (O drama da água na escala global).
Fonte: Embrapa Meio Ambiente