O manejo de recursos hídricos dentro do conceito de uso múltiplo objetiva uma exploração concomitante e integrada, na qual as relações entre os produtos gerados sejam complementares ou no mínimo suplementares. As atividades de uso da água envolvem complexas interações, em que uma atividade provoca impactos tanto positivos quanto negativos nas outras atividades.
A Lei Federal nº. 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, apresenta como um dos seus fundamentos o uso múltiplo dos recursos hídricos. Para sua implementação, são necessárias ações de gestão sistemática da qualidade e quantidade de água, de interações sócio-econômico-culturais, gestão ambiental e articulações de uso do solo. Surge, assim, o gerenciamento dos recursos hídricos, como um meio de assegurar a utilização múltipla e integrada da água, bem como os programas de reutilização da água para a efetiva concretização dos objetivos da lei.
Em geral, a escassez de água é definida como sendo o ponto em que o impacto de todos os usuários afeta o fornecimento ou a qualidade de água no âmbito das disposições institucionais vigentes e a procura de todos os setores, incluindo o meio ambiente, não pode ser plenamente satisfeita. Para que as necessidades continuem sendo supridas nas regiões afetadas pela escassez de água, os esforços deverão incidir sobre o uso eficiente de todas as fontes de água (águas subterrâneas, superficiais e de chuvas) e devem ser adotadas estratégias que maximizem o retorno econômico e social da alocação desse recurso.
A delimitação dos direitos da água é ainda mais complicada quando são levados em consideração os usos múltiplos (irrigação, doméstico, pesca, pecuária, indústrias, etc.), bem como os vários usuários (diferentes cidades, grupos de agricultores nas regiões alta e baixa da bacia, pescadores, criadores, etc.) do recurso. Essas sobreposições são colocadas para diferentes conjuntos de normas e regras relacionadas com a água e para diferentes agências governamentais. Na prática, o uso múltiplo está longe de ser unanimidade entre os usuários e os conflitos se acirram à medida em que aumenta a demanda e a escassez de água.
Um balanço hídrico entre diferentes usuários de água demonstra que, para produzir alimentos que atendam às necessidades de uma pessoa em um dia, são necessários entre 2.000 e 3.000 L de água. Em contraste, 2 a 3 L de água são requeridos para beber e 20 a 300 L para suprir as necessidades domésticas. Diante disso, pelo fato de a agricultura ser o maior usuário de recursos hídricos e de primordial importância para a segurança alimentar e redução da pobreza, deve assumir a liderança em encontrar alternativas para produzir mais alimento com menos água e de reduzir os danos potenciais causados ao ambiente.
Entre as alternativas apontadas para uma maior eficiência da água, está uma melhor gestão dos recursos hídricos, mediante a integração e otimização dos usos múltiplos. Assim, os recursos hídricos são otimizados, mediante o consumo racional e aceitável, devendo essa gestão maximizar, com critério de equidade, os benefícios econômicos, sociais e ambientais. A gestão compartilhada inclui necessariamente disciplina de uso, preservação da qualidade da água, controle de perdas e desperdícios e reciclagem.
Implantar modelos que atendam aos preceitos de uso múltiplo exige uma série de decisões e investimentos. Em muitas regiões semiáridas do mundo, governos já vêm atuando com o objetivo de implantar infraestruturas capazes de disponibilizar água suficiente para garantir o abastecimento humano e animal, e além de viabilizar a irrigação. Promover o desenvolvimento sustentável de uso da água em benefício de todos é uma responsabilidade coletiva e um desafio. A flexibilidade da alocação da água para os diferentes usuários é uma das formas mais relevantes de desenvolvimento econômico e social, pois melhora a qualidade de vida, promove a geração de empregos e renda, amplia a capacidade de abastecimento de água para usos múltiplos e estimula a economia.
Autor: Francisco José de Seixas Santos
Pesquisador da Embrapa Meio-Norte
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