Você vai ver uma fazenda certificada, que investiu em tecnologia para produzir hortaliças orgânicas. Nessa propriedade, que fica em Brasília, as lavouras são integradas com a pecuária leiteira e a fazenda é administrada como se fosse uma grande empresa.
Olhando do alto parece até que embaixo tem uma porção de sítios, um do lado do outro. Mas não é. É tudo a Fazenda Malunga. São 42 hectares de horta, quatro mil canteiros. Tem alfaces diversas, couve, cenoura, vagem e beterraba. Há mais de 40 variedades de verduras e legumes. O cultivo não usa veneno nem adubo químico industrializado.
Essa história começou há quase 20 anos, quando Joe Valle, dono da propriedade, ainda cursava a faculdade de engenharia florestal. “Eu cheguei a um momento de quase desistir. Eu pensei: se produzir alimentos é isso daqui, eu não quero fazer isso. Intoxica o solo, me intoxica e eu estou vendendo um alimento que não tenho segurança de entregar”, lembrou. Foi durante um estágio da faculdade que Joe conheceu a agricultura orgânica. Ele começou uma horta pequenininha, com quatro canteiros. A colheita cabia todinha dentro de uma perua.
Tudo na fazenda funciona de maneira integrada. É um sistema que começa com a criação de gado de leite. A base do sistema de integração está dentro do curral, mais especificamente na cama do gado, na mistura de esterco com palha seca.
A qualidade da cama tem papel fundamental no sucesso do sistema. Ela vai virar adubo para horta. O rebanho da fazenda tem 186 animais. Todos são da raça gir.
Animais resistentes são essenciais num sistema que não permite o uso de medicamentos convencionais como carrapaticidas, vermífugos e antibióticos. Os animais passam parte do tempo no pasto, uma área de mais ou menos 50 hectares dividida em piquetes.
No período da seca, os animais recebem suplementação no cocho: silagem de capim com flor do mel e aveia fresca. No sistema de integração, durante o ano inteiro, o rebanho também ganha o que parece ser a comida preferida dele. São sobras de verduras e legumes que saem fresquinhos da horta.
Quando o manejo e a alimentação não são suficientes e algum animal adoece, entra em cena a Vera Vitorino, especialista da fazenda em tratamentos homeopáticos, que a legislação de orgânicos permite. “Eu uso barbatimão, que serve para a cicatrização e como antiinflamatório”, disse.
O barbatimão é uma árvore nativa do cerrado. O extrato é feito com a casca do tronco. “A semente de mamão serve como vermífugo, para combater os carrapatos”, explicou. No sistema de integração, a cama das vacas, aquela mistura de esterco, urina e palha seca, é transformada em composto orgânico.
A fazenda também fabrica os chamados biofertilizantes, adubos líquidos que servem tanto para nutrir as plantas quanto para ajudar no controle de pragas e doenças. Aqui se faz um biofertilizante para cada fazenda.
Para manter o solo equilibrado entra em cena uma outra tecnologia bem simples, bastante conhecida e que dá ótimos resultados: a adubação verde. São usados milheto no verão e aveia preta no inverno. “A função do adubo verde é melhor a estrutura física do solo, reciclar os nutrientes e melhorar a atividade biológica do solo”, explicou o especialista.
No sistema de integração com a pecuária, o adubo verde serve tanto melhorar o solo quanto para alimentar o gado. Essas plantas entram num esquema de rotação de culturas com as hortaliças. Vamos ver como eles plantam alface americana, que é o carro-chefe da produção da Malunga.
O trator levanta os canteiros. Com base numa análise de solo se calcula quanto adubo é necessário. Primeiro vem o composto orgânico. Depois, o bokashi. Com tudo bem misturado, é hora de cobrir o canteiro com plástico. “O plástico tem várias funções: o controle do mato; economia de irrigação, porque ele reduz a evaporação do solo e o controle de doenças do solo, de doenças de folha”, explicou.
Com o plástico cobrindo o canteiro, apenas a raiz da alface fica em contato com a terra. Depois de furar o plástico e alisar a terra, o canteiro está pronto para receber as mudas de alface. De acordo com a fase de crescimento, as culturas vão recebendo adubação de cobertura com bokashi e doses de biofertilizante.
Nem sempre esse manejo caprichado consegue evitar o aparecimento de pragas e doenças. Como o sistema orgânico proíbe o uso de venenos convencionais, a escolha de variedades resistentes é fundamental, principalmente em culturas mais sensíveis. Além de variedades resistentes, existem produtos permitidos pela legislação dos orgânicos para controlar pragas e doenças.
Na fazenda, cada cultura tem uma equipe especializada no serviço. “Dessa forma temos ganhos de produtividade contínuos”, afirmou o agricultor. No total, da fazenda saem por mês 180 toneladas de hortaliças orgânicas. Montar uma estrutura como essa não sai barato. “Até hoje já chegamos a um investimento de R$ 10 milhões. Hoje, o faturamento médio da empresa é de R$ 7 milhões por ano”, disse Joe.
Para tocar essa estrutura, a empresa tem hoje 175 funcionários. É gente que recebe treinamento, faz aula de ginástica para melhorar o desempenho e paga apenas R$ 1,00 por refeição no restaurante instalado na fazenda. O Célio e a Marinéia chegaram à Malunga há 15 anos. Ele cuida do composto orgânico. Ela trabalha na cozinha que prepara as refeições dos funcionários.
Entre um cafezinho e um queijo orgânico, Célio e Néia contaram que estão satisfeitos com a vida que levam na propriedade. Célio já sabe exatamente o que vai fazer nos 3,5 hectares que comprou em Cristina, no sul de Minas Gerais. “Eu já estou imaginando na minha cabeça como eu transfiro a Maluga daqui para lá”, falou. É justamente essa a ideia do Joe: passar pra outros produtores a experiência acumulada em 20 anos de agricultura orgânica.
“Nós precisamos trabalhar o economicamente viável, o socialmente justo e o ambientalmente correto. É um tripé fundamental para o sucesso da agricultura orgânica. Esse é um trabalho que estamos fazendo: convencendo novos produtores primeiro no coração, depois na cabeça e só depois nos braços para partir para realizar. Aí vai ter a certeza do sucesso”, concluiu. Mais um detalhe interessante: além do salário, os empregados da Malunga podem ganhar participação nos lucros e resultados da fazenda.
Fonte: Globo Rural