Maioria das empresas do setor não tem políticas definidas, diz especialista. Merchandising em filmes é fonte de publicidade que tem sido ignorada
Muitos fatores influenciam as escolhas alimentares das crianças: onde elas comem, o que os amigos e irmãos comem, o que os pais comem, bebem e trazem para casa, o que é servido na escola e, é claro, o que elas gostam.
Mas, se você é pai ou mãe, gostaria que as escolhas alimentares de seu filho fossem determinadas por empresas produtoras cujo primeiro objetivo é lucrar? A questão é de especial importância agora que os índices de obesidade infantil estão aumentando (o que também é resultado de interesses comerciais). Reportagem de Jane E. Brody, do New York Times.
No mês passado, o Center for Science in the Public Interest, grupo baseado em Washington, deu uma nota de 95 a 128 a empresas de alimentos e entretenimento por suas políticas – ou falta de políticas – em relação à comercialização para crianças.
Isso apesar de a Iniciativa de Publicidade de Alimentos e Bebidas para Crianças ter anunciado que não comercializaria alimentos para crianças abaixo dos 12 anos se esses produtos não alcançassem os padrões nutricionais próprios das empresas. A Iniciativa foi patrocinada pelo Better Business Bureau, grupo com 16 grandes empresas de alimentos e redes de lanchonetes, representando cerca de 80% dos gastos com publicidade de alimentos na televisão americana.
Infelizmente, esse, justamente, é o problema. O que uma empresa como a Kellogg’s considera uma quantidade aceitável de açúcar numa porção de cereal matinal pode não ser o que um pai ou mãe com conhecimentos nutricionais escolheriam. O limite adotado pela Kellogg’s é 12 gramas (3 colheres de sopa de açúcar), o que os impediria de promover o Cocoa Krispies (14 gramas de açúcar numa porção de uma xícara) para as crianças. Mas o Frosted Flakes, com 11 gramas, ainda poderia ser divulgado em locais onde crianças de 6 anos ou mais pudessem ver a publicidade (a empresa ainda não tem como alvo crianças abaixo de 6 anos).
Além disso, como cada empresa estabelece suas próprias diretrizes, o que se aplica à Kellogg’s pode não se aplicar a produtos feitos pela General Mills ou Post.
“Apesar do sistema autorregulatório da indústria, a grande maioria das empresas de alimentos e entretenimento não criou mecanismos de proteção para crianças”, diz Margo Wootan, diretora de política de nutrição do centro. Na análise do marketing direcionado a crianças, divulgada no último mês de novembro, a maior nota, B+, foi para a produtora de doces Mars, que não comercializa para crianças abaixo de 12 anos e evita peças publicitárias para atraí-las.
“Se as empresas estivessem vendendo banana ou brócolis, não estaríamos preocupados”, diz Margo. “Mas, em vez disso, a maioria vende cereais açucarados, fast food, lanches e doces. E esse mercado de junk food contribui bastante para a obesidade infantil.”
Além disso, como mostrou a análise, embora 64% das empresas de alimentos que fazem publicidade direcionada a crianças tenham pelo menos algum tipo de política de marketing, apenas 24% das lanchonetes e 22% das empresas de entretenimento mantêm qualquer política orientando a publicidade para crianças.
Num estudo divulgado em março de 2007, a Henry J. Kaiser Family Foundation observou que crianças entre 2 e 7 anos de idade veem uma média de 12 anúncios de comida na televisão por dia, ou 4.400 por ano. Crianças entre 8 e 12 anos veem uma média de 21 por dia – mais de 7.600 por ano. Para adolescentes, os números são 17 por dia, ou mais de 6 mil por ano. Metade de todo o tempo de publicidade nos programas de televisão voltados para crianças é dedicado a comidas, relatou a fundação.
“A maioria dos anúncios de comida que as crianças e os adolescentes veem na TV são alimentos que os nutricionistas, grupos de monitoramento e órgãos do governo sustentam que devem ser consumidos ou em moderação, ou ocasionalmente ou em pequenas porções”, afirma o grupo. “Dos 8.885 anúncios de comida analisados no estudo, não houve publicidade de frutas ou vegetais mirando crianças ou adolescentes”.
Caso você esteja se perguntando, vários estudos demonstraram que anúncios de televisão realmente têm um efeito – não um efeito bom – sobre o que as crianças comem, e quanto comem. Num estudo com 548 alunos de cinco escolas públicas próximas de Boston, publicado em 2006 pelo The Archives of Pediatric and Adolescent Medicine, pesquisadores descobriram que, para cada hora adicional de televisão, as crianças consumiam um adicional de 167 calorias, especialmente alimentos altamente calóricos e pobres em nutrientes, frequentemente anunciados na TV.
Filmes
Agora, como sugere um novo estudo, é hora de prestar atenção a promoções sutis de alimentos e bebidas que aparecem em filmes populares entre crianças e adolescentes. Os filmes, afirmam os autores, são “uma fonte potente” de publicidade para crianças, que tem sido “amplamente ignorada”.
O estudo, publicado em março na revista “Pediatrics”, analisou o posicionamento de marcas de alimentos, bebidas e lanchonetes retratados nos 20 maiores sucessos de bilheteria em cada ano, de 1996 a 2005. Dos 138 filmes analisados, 49% eram classificados para 13 anos, 25% pediam acompanhamento dos pais e 7,5% eram livres.
“Descobrimos que uma proporção surpreendente dos filmes direcionados a crianças e adolescentes continha publicidade de marcas”, escreveram os autores. Embora a Coca-Cola e a Pepsi tenham compromisso de não anunciar seus produtos em programas de TV para crianças, os pesquisadores descobriram que “produtos de bebidas com açúcar dessas empresas apareceram regularmente em filmes, especialmente aqueles indicados para crianças e adolescentes”.
Das 1.180 inserções de marca identificadas, 26% foram para doces e similares e 21% para lanches salgados; 76% das bebidas tinham adição de açúcar e dois terços dos restaurantes eram de fast food. Os pesquisadores descobriram que “refrigerantes, batatas e marcas de fast food dominam os filmes com classificação até 13 anos”.
Os autores, liderados por Lisa Sutherland, do Dartmouth Medical Center, descobriram uma média de 8,6 inserções de marca por filme, e concluíram que a maioria era de “linhas de produtos de alimentos altamente energéticos e pobres em nutrientes”.
Para que você não duvide que isso influencia os hábitos alimentares dos jovens, a aparição do chocolate Reese’s Pieces no filme “ET” resultou num aumento acentuado nas vendas do produto, três meses depois do lançamento do filme, em 1982.
“A inserção de produtos em filmes está em pé de igualdade com a publicidade subliminar, embora tenha sido amplamente ignorada por aqueles que estudam o impacto do marketing nas crianças”, afirmaram os autores.
Os pesquisadores expressaram uma preocupação especial em relação à influência de inserções de marca em filmes com classificação até 13 anos em crianças mais velhas e adolescentes, “que estão ganhando independência em relação a suas escolhas alimentares”. Eles observaram que isso “fornece uma avenida pela qual a lealdade de marcas e a preferência pelos produtos podem ser construídas”.
O que você pode fazer? Não sugiro evitar um filme maravilhoso como “ET”. Mas assim como pais e outros responsáveis se opuseram à venda de bebidas com alto teor de açúcar em escolas e, com um efeito menor até agora, à publicidade de alimentos para crianças, pode ser hora de expressar seus sentimentos para produtores de filmes sobre como as inserções de marca estão prejudicando a saúde e aumentando o peso das crianças americanas.
Fonte: Portal EcoDebate
*Reportagem [Risks for Youths Who Eat What They Watch] do do New York Times, no Portal G1. Tradução de Gabriela d’Ávila.