Preocupada com a ameaça de repetição da crise alimentar que provocou conflitos em várias partes do mundo em 2008, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) convocou uma reunião de emergência, que será realizada dia 24, em Roma. As causas dos problemas atuais são bem diferentes das que, há dois anos, levaram o mundo a enfrentar uma séria crise de alimentos. Neste ano, o mundo deverá colher a terceira maior safra de grãos da história e os estoques mundiais estão num nível bem mais alto do que em 2008. Mesmo assim, as cotações de alguns dos principais produtos, de grande consumo pelas populações mais pobres do planeta, subiram muito nos últimos meses e algumas, como as do trigo, mantêm tendência de alta.
Protestos contra a alta exagerada de alguns produtos, como o pão, e a escassez de outros já ocorreram em Moçambique, no Egito e na Índia. Na Rússia, a falta de trigo preocupa a população, e a história recente do país mostra que a escassez de produtos essenciais – como salsicha, sal e vodca, além de farinha de trigo – pode resultar em instabilidade política.
Uma combinação de pânico de escassez prolongada e um grande fluxo de investimentos que não encontram atrativos no mercado financeiro – por causa dos juros muito baixos na maioria dos países – para a especulação com estoques e preços de produtos agrícolas está provocando, há alguns meses, uma alta contínua das cotações de alimentos. Somente no mês de agosto, de acordo com dados da FAO, os preços médios desses produtos subiram 5%. Em um ano, o preço do trigo subiu 75%. O índice geral de preços de alimentos está no seu nível mais alto desde setembro de 2008.
Em termos de preços, a situação atual é melhor do que a de 2007, que deu origem à crise. Mas um conjunto de más notícias assustou os consumidores, que foram às compras, o que está pressionando os preços ainda mais para cima.
A Rússia transformou-se, nos últimos dois ou três meses, na principal fonte de notícias ruins para o mercado mundial de alimentos. Assolada pela seca, que deu origem a muitos incêndios nas plantações, a Rússia estima que, este ano, sua produção de grãos será 38% menor do que a de 2009.
Para tentar evitar que a quebra de safra provoque alta dos preços internos, o governo de Moscou anunciou, em junho, que suspenderia todas as exportações de trigo – a Rússia é o terceiro maior exportador do mundo – até o fim do ano. Há alguns dias, anunciou que a suspensão se estenderá até o fim de 2011. Países vizinhos da Rússia, e também grandes produtores de trigo que foram afetados pelos mesmos problemas climáticos – Casaquistão, Ucrânia e Bielo Rússia – anunciaram medidas idênticas.
As inundações na Ásia, do Paquistão até a Coreia do Norte, além de provocar a morte de milhares de pessoas, destruíram plantações e dificultaram a distribuição de produtos, especialmente para a população pobre.
Nesse quadro, alguns produtores preferiram manter o produto estocado a vendê-lo pelos preços oferecidos, o que estimulou a alta. Além disso, com os juros baixos na maioria dos países, como parte das medidas de estímulo para as economias afetadas pela crise mundial, investidores estão buscando outras opções de aplicação, e as encontram no mercado de produtos agrícolas, cujos preços, por isso, sobem ainda mais.
São notícias preocupantes, mas as reservas mundiais de grãos, suficientes para cobrir a quebra de produção provocada pelos fenômenos climáticos, deveriam conter seus efeitos. Segundo a FAO, os estoques mundiais totalizam 528 milhões de toneladas, quase 25% mais do que o estoque registrado durante a crise de 2007 e 2008, de 427 milhões de toneladas. Infelizmente, esse dado não está sendo levado na devida conta.
A incerteza que, apesar dos dados de produção e estoques, continua a predominar no mercado mundial de produtos agrícolas força a alta dos preços, prejudicando gravemente os países pobres que dependem da importação desses produtos.
Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo