Salto alto no agronegócio: mais de 70% das mulheres que atuam no setor estão no comando

Segmento fundamental para a economia brasileira, mas ainda dominado pelos homens, o agronegócio vem, aos poucos, cedendo ao comando do “sexo frágil”. As mulheres agora despontam na base do setor, inclusive na pecuária. 
 
Pesquisa divulgada recentemente pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) traçou o perfil da mulher do campo. Um dos dados que mais chamam a atenção é a função que desempenham: mais de 70% são administradoras gerais do negócio.
 
É este o caso da pecuarista paulistana Carmen Perez, de 38 anos. À frente de uma equipe 100% masculina, ela gerencia, sozinha, a propriedade da família, no Mato Grosso, onde também mantém seringais. 
 
Presidente do Núcleo Feminino do Agronegócio – canal de comunicação entre mulheres agricultoras do país inteiro –, ela endossa o avanço da mulher no segmento e acredita que o incentivo deva partir da informação. Desafios, porém, ainda existem, ela admite. 
 
“Ao longo do tempo, fui percebendo o quanto é importante levar informação às pessoas. Nós, como produtoras, temos a missão de contribuir com a sociedade e pensar na educação como base”, enfatiza. 
 
Há 16 anos
 
Carmen deixou São Paulo aos 22 anos para cuidar das terras, herança do avô. Com o passsar do tempo, implementou uma série de mudanças às quais, em partes, credita à sensibilidade feminina. Uma delas foi extinguir a marcação do gado a ferro. “Com certeza tem um pouco do olhar feminino”. 
 
No ano que vem, a pecuarista irá realizar um dia de campo com o objetivo de atrair mulheres das comunidades locais, vizinhas à fazenda, para as atividades que desenvolve.
 
Desafios
 
De acordo com o levantamento da Abag, a principal queixa das mulheres refere-se à resistência ao comando. As entrevistadas disseram que a opinião delas é muitas vezes desconsiderada por funcionários (43% das respostas), colegas e parceiros (41%). Silvana Novais, gerente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Regional Viçosa, no Sul de Minas, já vislumbra uma mudança cultural que passa, principalmente, pelos núcleos familiares. 
 
“Antes, os pais criavam filhos para cuidar das propriedades e filhas para ficarem em casa. Hoje, as meninas vão para a lavoura, para o curral. Elas crescem sabendo que também farão parte daquilo”, afirma. Silvana é a única agrônoma da família. 
 
Toque feminino e conhecimento técnico são boas armas para enfrentar o machismo
 
Quando chegaram a Aiuruoca, no Sul de Minas, há 20 anos, as amigas Angela Duvivier e Isabel Maria Carneiro, arquiteta e psicóloga, respectivamente, não imaginavam que um dia fariam parte da parcela feminina que representa o agronegócio brasileiro. O objetivo inicial era fugir da “loucura urbana”. Com o passar dos anos, elas se transformaram em olivicultoras. Hoje, plantam dez variedades de azeitonas em 230 hectares de terra. 
 
Isabel aponta o preconceito dos homens como o maior e mais presente empecilho enfrentado pelas mulheres do agronegócio. “A todo tempo podemos sentir o machismo que nos ronda: nas opiniões que não são levadas a sério, no fato de nos acharem educadas demais para lidar com as pessoas no campo. Afinal, sabemos que é um condicionamento cultural: ‘prosa de mulher nunca dei valor’, como na letra da Marvada Pinga, uma moda de viola bem conhecida’”, comenta. 
 
Ressalta, porém, que ela e a sócia tiveram a sorte de conseguir desenvolver uma relação respeitosa com os funcionários e com a comunidade local, fazendo prevalecer o jeitinho feminino de gerenciar. 
“O toque da mulher aparece no respeito, na insistência pelo cultivo orgânico e na forma de tratar as pessoas. Trabalhamos com 14 funcionários e as mulheres têm um dia livre na semana para resolver problemas domésticos”, conta a olivicultora. 
 
Assim como a sócia, Isabel pratica yoga diariamente para dar conta da rotina puxada sob sol ou chuva. “A mulher que nasceu no campo, sem dúvida, tem resistência muito maior do que a nossa, que viemos da cidade. Pegar na enxada não é fácil. Requer força física e traquejo”, justifica.
 
A delicadeza do negócio de Angela e Isabel – que levou o marido e as irmãs para a propriedade em Aiuruoca – se faz presente em cada detalhe. No rótulo do azeite que fabricam vem grafado “amor e gratidão”. No ano passado, elas também receberam, na Itália, menção honrosa pelo produto e trouxeram para o Brasil um prêmio de qualidade sensorial e química disputado com outros 400 azeites do hemisfério sul.
 
Além disso
 
– A Pesquisa da Abag mostrou também que a maioria absoluta das mulheres brasileiras que atuam no agronegócio têm curso superior – 60% no total e 24% fizeram pós-graduação ou mestrado. 
 
– A engenheira agrônoma Sara Chalfoun representa essa parcela. Pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) de Lavras, no Sul de Minas, ela tem mestrado e doutorado em fitotecnia, desenvolve pesquisas na área de cafeicultura e ocupa cargos na Universidade Federal de Lavras (Ufla).
 
– Formada há 40 anos em uma turma de 73 homens e apenas duas mulheres, diz que é preciso atuar, principalmente, nos estratos menos instruídos. “É onde ainda se vê mais resistência à presença da mulher e onde precisamos atuar levando informação e rompendo estigmas”.
 
 
Fonte: Expresso MT