Sementes orgânicas de hortaliças: um grande desafio
Warley Marcos Nascimento
Pesquisador – Embrapa Hortaliças
e-mail: wmn@cnph.embrapa.br
Uma maior preocupação com a proteção do meio ambiente e a crescente demanda por alimentos mais saudáveis, aliada aos preços mais atrativos ao produtor, têm despertado grande interesse pela produção orgânica. Mesmo com o pioneirismo na produção orgânica, a olericultura enfrenta alguns problemas, sendo um deles a pouca oferta de sementes orgânicas para atender ao processo de certificação em toda a cadeia produtiva. De acordo com a Instrução Normativa n°. 64, de 18 de dezembro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “as sementes e mudas para o sistema orgânico deverão ser oriundas de sistemas orgânicos; fica ainda proibida a utilização de sementes e mudas não obtidas em sistemas orgânicos de produção a partir de cinco anos da publicação desta Instrução Normativa. É vedada a utilização de organismos geneticamente modificados bem como o uso de agrotóxico sintético no tratamento e armazenagem de sementes e mudas orgânicas”. Entretanto, caso for constatado a indisponibilidade de sementes e mudas oriundas de sistemas orgânicos, ou a inadequação das existentes à situação ecológica da unidade de produção, poderá ser autorizada a utilização de outros materiais existentes no mercado, dando preferência aos que não tenham recebido tratamento com agrotóxicos ou com outros insumos não permitidos nesta Instrução Normativa.
O desenvolvimento do cultivo orgânico de hortaliças nos últimos anos aponta para um grande desafio às empresas de sementes, que é o investimento na produção de sementes orgânicas. Esse sistema de produção demanda das empresas a utilização de técnicas orgânicas de cultivo, utilizando germoplasma adaptado às condições locais, e com freqüência resgatando o uso de cultivares tradicionais e/ou crioulas. Por envolverem grandes mudanças nos atuais sistemas de produção empregados, sementes orgânicas ainda não têm sido grande alvo de interesse de grandes empresas transnacionais. Soma-se ainda, a participação restrita da agricultura orgânica na produção de alimentos que no Brasil equivale somente a 1,8% da produção total de alimentos, segundo o IBGE. No caso das hortaliças, apenas 4,5% dos estabelecimentos existentes no país são orgânicos, embora seja o segmento de maior representatividade entre os grupos de alimentos em relação à agricultura convencional. Por outro lado, na Europa e nos Estados Unidos, e mais recentemente aqui no Brasil, existem algumas empresas se organizando para atender esse segmento promissor. Na verdade, segundo informações do setor nacional, as empresas sementeiras têm muito interesse nesse mercado orgânico brasileiro, entretanto, há necessidade de uma maior discussão para a regulamentação desse setor.
No Brasil, boa parte do cultivo orgânico de hortaliças é feita utilizando sementes convencionais, uma vez que o mercado ainda não dispõe de sementes orgânicas em quantidade e qualidade suficientes para atender toda a demanda das principais espécies e cultivares. Vale salientar que existem algumas centenas de cultivares de hortaliças sendo comercializadas em nosso país. Com isso, o país tem importado parte das poucas sementes orgânicas que utiliza.
A produção de sementes orgânicas exigirá o desenvolvimento de tecnologias adaptadas às condições de nosso país, sendo uma delas o estabelecimento de um germoplasma mais apropriado, com boas características comerciais, e com resistência às pragas e doenças. É importante salientar que muitas das cultivares de hortaliças utilizadas no Brasil são oriundas de países de clima temperado, e não apresentam adaptabilidade a climas quentes. O desenvolvimento de cultivares resistentes às principais doenças e com melhor adaptação às nossas condições edafo-climáticas deve ser uma preocupação constante neste segmento, visando não só o aumento da produtividade, mas principalmente a qualidade fisiológica e sanitária das sementes produzidas no sistema orgânico.
A produção de sementes orgânicas exige ainda cuidados especiais que começam com a certificação. A certificação engloba as fases desde o plantio até a embalagem. Assim, não só os campos de produção, mas as Unidades de Beneficiamento de Sementes também deverão ser certificadas, atendendo às exigências da entidade certificadora. Empresas que produzem tanto sementes convencionais como sementes orgânicas deverão ter linhas separadas para estas duas atividades durante todo o processo de produção, o qual envolve as etapas de secagem, beneficiamento, manuseio e armazenamento de sementes. A certificação assegurará ao produtor de hortaliças orgânicas o plantio de sementes isentas de tratamento químico, produzidas em condições próprias e seguras, desde o campo até a embalagem final. A embalagem deve ser diferenciada, devendo ser priorizadas aquelas produzidas com materiais comprovadamente biodegradáveis e/ou recicláveis, com identificação e selo de certificação.
Tecnologias próprias para produção de sementes também devem ser enfatizadas, passando pela produção de sementes a campo aberto ou em cultivo protegido, pela adoção de métodos orgânicos de manejo dos cultivos visando à produção de sementes, e tecnologias ecologicamente aceitáveis para o tratamento de sementes. A qualidade sanitária das sementes produzidas em sistemas orgânicos deve ser uma preocupação das empresas de sementes durante todas as etapas de produção. Como não é permitido o emprego daqueles fungicidas comumente utilizados no tratamento das sementes, o desenvolvimento de novos métodos de controle de microrganismos associados às sementes deve ser enfatizado, como por exemplo, o uso de produtos alternativos a estes fungicidas; produtos como caldas bordaleza, sulfocálcica, extratos e óleos vegetais, terra diatomáceas e produtos biológicos devem ser desenvolvidos e testados. Importante salientar que a maioria desses tratamentos visa exclusivamente os microrganismos presentes nas sementes, ficando assim “em descoberto” a proteção inicial durante a germinação e estabelecimento das plântulas, geralmente assegurados pelos fungicidas. Isto é mais evidente em culturas onde o estabelecimento se dá por meio de semeadura direta (cebola em algumas regiões e cenoura, por exemplo). Por outro lado, grande parte das espécies pode ser estabelecida por meio de mudas produzidas em bandejas, utilizando substratos inertes. Com isso, a incidência de microorganismos causadores de tombamento de plântulas na fase inicial é notadamente reduzida.
Finalmente, todos os indicadores apontam para o fato de que mercado de sementes orgânicas deverá expandir mais ainda no Brasil. A princípio, não deverão necessariamente ser desenvolvidas cultivares específicas para o cultivo orgânico, já que as instituições de pesquisa, públicas ou privadas, possuem variedades que apresentam boas características para o sistema de produção orgânico, faltando apenas redirecioná-las para este sistema específico de cultivo. Além disso, muitas das demandas atuais do mercado podem ser mais facilmente atendidas, em algumas culturas de importância, pela utilização de sementes (híbridas ou não) já existentes. Técnicas de produção e tecnologias voltadas à produção de sementes orgânicas devem ser incrementadas internamente por meio da pesquisa e desenvolvimento. Sendo um mercado diferenciado, onde as sementes terão um maior valor agregado, e considerando que geralmente as produtividades obtidas em campos de produção de sementes em sistemas orgânicos são menores, o preço final da semente orgânica (assim como a maioria dos produtos orgânicos) deverá ser mais elevado. Sem dúvida, este será um novo desafio para a pesquisa e um novo nicho de mercado para as empresas envolvidas no agronegócio das hortaliças.