Análise: Meio Ambiente e Agricultura se reaproximam

“Os 36-39% são uma vitória de Carlos Minc, o que mais trabalhou pelo número. Mas Stephanes também ganhou. Resta saber quanto isso vai custar”

 

Por Marcelo Leite

  

Não fosse pela concessão aos ruralistas, o governo Lula terminaria a semana num nirvana ambiental. Primeiro, um recorde -desta vez de baixa- no índice de desmatamento, o menor de todos os tempos. Depois, a adoção da meta audaciosa de corte na emissão de gases do efeito estufa, 36-39%.

 

As coisas estão ligadas, e não só pelos dividendos de marketing. A três semanas de Copenhague, Lula e Dilma Rousseff tentam aplicar um verniz verde na imagem. Para isso, tiveram de mostrar resultados (desmate) e assumir compromissos (emissões), o que não deixa de ser um avanço.

 

O número anunciado ontem é provocadoramente semelhante aos 40% que países desenvolvidos deveriam cortar de suas próprias emissões para afastar o risco maior. Eles contribuíram muito mais até agora para a mudança do clima. É justo que façam o esforço maior e comecem antes, pois reduzir emissões sai caro.

  

Em que pesem todas as incertezas envolvidas nos cálculos sobre o futuro do clima, especialistas alcançaram razoável consenso de que essa redução é necessária para não vencer a barreira ameaçadora de 2C de aquecimento neste século. Acima disso, o que ocorrerá facilmente se o globo continuar na trajetória atual, alterações drásticas poderiam sobrevir: secas, furacões e enchentes mais graves e mais frequentes.

  

Ao comprometer-se com uma cifra ambiciosa, pelo menos em comparação com o máximo de 30% de corte admitido até agora pela União Europeia (e nada específico dos EUA), Lula dá uma dupla lição aos países ricos. Primeira: é irresponsabilidade com o planeta atrasar de novo a definição de uma linha de ação para enfrentar a mudança do clima. Segunda: agir contra o aquecimento global pode e deve ser encarado como oportunidade, e não só como fonte de custos ou entrave ao desenvolvimento.

  

Parece que enfim começa a vingar no governo aquilo que Marina Silva chamaria de “transversalidade”. Em linguagem popular: caiu a ficha de que as questões ambientais não podem mais ser consideradas meras perfumarias, algo a ser tratado por assessores de marketing. Devem integrar o cerne do planejamento, pois já constituem um componente crucial da noção de competitividade.

  

De nada adiante tornar-se uma potência agroindustrial se os produtos brasileiros morrerem na praia das preferências dos consumidores dos países desenvolvidos. Antes mesmo do Planalto, a avenida Paulista começou a se dar conta dessa nova regra do mercado.

 

O sintoma mais forte da transformação é oferecido pelo Ministério da Agricultura. Do conflito quase automático com a pasta do Meio Ambiente, nesse debate parece ter-se dado conta de que o enfrentamento da mudança do clima traz uma chance única de levantar recursos para expandir medidas de racionalização do campo que já ocorrem. Um quarto do potencial de redução de gases do efeito estufa está na agropecuária.

 

Os 36-39% são uma vitória de Carlos Minc, o que mais trabalhou pelo número. Mas Stephanes também ganhou. Resta saber quanto isso vai custar.

 

Fonte: Folha de S. Paulo