Apenas água de boa qualidade não assegura bons resultados na agricultura

Por Marcelino Ribeiro

A água do rio São Francisco é uma das melhores do mundo para uso na agricultura irrigada. Ainda assim, tomando por base as necessidades de algumas fruteiras (em alguns casos chegam a ser superiores a 1200 mm por ano) a aplicação dessa água adicionaria cerca de 550 quilogramas de sais por hectare/ano.

Os pesquisadores da Embrapa Semiárido José Maria Pinto e Marcelo Calgaro vêem nessa situação a complexidade que é o uso sustentável da água na agricultura. Embora de imediato essa quantidade não afete a capacidade produtiva do solo, o acúmulo de sais no solo no decorrer do tempo é um sério problema que pode ser intensificado pela aplicação de fertilizantes nos pomares com substâncias salinas na sua formulação.

Consistente – A irrigação tem a capacidade de transformar processos agrícolas produtivos em importantes instrumentos de desenvolvimento econômico e social. As técnicas de disponibilizar água para as plantas em cultivos com alto valor agregado criam dinâmicas econômicas como as que acontecem nas cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) que estão entre os dez maiores PIBs agrícolas do Brasil.

Um estudo do Banco Mundial aponta que regiões com projetos de irrigação instalados (6,4%/ano) o crescimento do PIB é mais que o dobro da registrada em áreas onde a agricultura praticada depende do regime de chuvas (2,5%/ano). Por favorecer performances econômicas desse nível é que os recursos hídricos precisam ser manejados com boas práticas agrícolas e ambientais, além de informação científica consistente.

Marcelo cita um dado preocupante. Do total de água captada e usada na agricultura brasileira, apenas 50% é efetivamente aproveitada pelas plantas. Os 50% restantes são perdidos na captação, armazenamento, distribuição e aplicação da água. Estudos de eficiência do uso da água pelo setor agrícola na Bacia do Rio São Francisco também apontam para desperdícios.

Em 22 avaliações de sistemas de irrigação por aspersão, apenas em 10% delas foi registrado oferta de lâminas de água em volumes adequados, tecnicamente. Em 68%, houve déficit, e excesso em 22%. No caso da irrigação localizada, que inclui gotejamento, das 33 análises, em 60% foi constato oferta deficitária de água, e excesso em 40%. Irrigação mal feita é um dos caminhos mais curtos para elevar a concentração de sais no solo, comenta Marcelo.

Problemas dessa natureza se agregam a outros como a ênfase que se dá às soluções hidráulicas nos projetos elaborados para dimensionar sistemas de irrigação nos pomares de frutas e de hortaliças no Submédio do Vale do São Francisco, principal pólo exportador de manga e uva do Brasil.

Revitalização – De acordo com José Maria, nos grandes projetos públicos de irrigação do Vale a Codevasf tem investido na implantação de canais de drenagem. Construídos como grandes calhas em locais estratégicos da área plantada, eles funcionam retirando o excesso de água aplicada ao cultivo, o que reduz os níveis de sais nos solos agrícolas. É uma boa solução para evitar o problema da salinização, afirma.

Contudo, em quantidade expressiva de projetos voltados especificamnte para propriedades agrícolas, ao tempo que destacam questões hidráulicas deixam em segundo plano os aspectos agronômicos dos cultivos.

José Maria explica que existem terras no Submédio do Vale do São Francisco que não têm qualquer restrição para o cultivo comercial de plantas. Há, no entanto, aquelas cujo único uso aceitável é como área de reserva para a flora e a fauna nativas. Mexer nelas para fazer plantios, como tem acontecido, tem agravado os problemas ambientais e as perdas de produção na agricultura do Vale, e interferido negativamente no rio, assegura.

Em recente relatório parcial do projeto “Contribuição à revitalização do rio São Francisco com base na reconstituição das suas matas ciliares e recuperação de áreas degradadas nos municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista”, que é financiado pelo Banco do Nordeste, o engenheiro agrônomo Tony Jarbas Ferreira Cunha aponta os riscos de priorizar apenas as soluções hidráulicas.

Tony Jarbas, que é pesquisador da Embrapa Semiárido na área de solos, explica que muitas vezes o plantio em áreas sem aptidão ou de aptidão restrita ao uso agrícola tem grande potencial para degradar o solo. Na área estudada pelo projeto, em toda a extensão das margens do rio nos municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria, há níveis de degradação tão intensos que não prestam mais para uso algum. Em certos locais, apenas a algaroba apresenta resistência para suportar os elevados teores de sais nos solos.

Projetos – Na Embrapa Semiárido o planejamento de pesquisa e desenvolvimento para o período iniciado em 2008 e que se estende até o ano de 2011 vê na água um dos principais temas para estudo por parte da sua equipe de especialistas. José Maria argumenta que a instituição tem valorizado de forma crescente pesquisas voltadas para o uso eficiente de água.

Em linhas gerais, as abordagens procuram gerar conhecimentos e informações que racionalizem as quantidades de água aplicada às culturas, reduzam custos dos plantios e o uso de insumos. O objetivo é estabelecer sistemas de produção de alta produtividade para competir com vantagens em importantes mercados no Brasil e no exterior, mas com mínimos impactos no ambiente, garante.

Contatos:

José Maria Pinto – pesquisador;
jmpinto@cpatsa.embrapa.br
Marcelo Calgaro – pesquisador;
marcelo.calgaro@cpatsa.embrapa.br
Tony Jarbas Ferreira Cunha – pesquisador;
tony.jarbas@cpatsa.embrapa.br

Fonte: Embrapa Semiárido