Cebola para proteger os rios

Pesquisadora desenvolve técnica que utiliza o bulbo da planta para identificar presença de substâncias poluentes na água do Paraíba do Sul. Método se mostrou eficaz e barato e pode ajudar no monitoramento de outros mananciais brasileiros

Por Gisela Cabral

Ela tem um cheiro marcante e sabor inconfundível, características que agradam a uns e desagradam a outros. Excelente no preparo de vários pratos na culinária, a cebola passou a ser a protagonista de um estudo desenvolvido em parceria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de Taubaté (Unitau) que conseguiu detectar os níveis de poluição do Rio Paraíba do Sul de maneira eficaz e menos dispendiosa. A técnica, que utiliza a raiz proveniente do cultivo dos bulbos de cebola como lâmina de leitura, é capaz de detectar alterações de toxicidade da água e presença de compostos mutagênicos. De acordo com a pesquisa, o mecanismo também atua com sucesso na verificação de agentes prejudiciais aos solos.

O Paraíba do Sul passa por 34 municípios localizados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Para a aplicação do Teste Allium — como o método é conhecido, devido ao nome científico da cebola, Allium cepa — , a professora da Unitau Agnes Barbério escolheu dois trechos do rio considerados críticos em toxicidade, localizados nas cidades de Tremembé e Aparecida, ambas em São Paulo. No laboratório, ela realizou a limpeza dos bulbos da cebola e os colocou em contato com as amostras de água colhidas do rio (veja arte).

“As raízes, pequenas pontinhas com cerca de 2mm cada, nasceram cerca de 72 horas depois”, conta Agnes, que desenvolveu o estudo como projeto de doutorado pela Unicamp. De acordo com a cientista, cada raiz funciona como uma lâmina de leitura da situação do rio, por conta de uma estrutura chamada meristema radicular, um tecido que contém milhares de células indiferenciadas com capacidade de divisão contínua. “A avaliação do meristema permitiu identificar alterações que acabaram prejudicando o funcionamento das células, como a inibição da divisão celular e anomalias cromossômicas, causadas pela poluição da água. Análises microscópicas feitas depois dos testes apresentaram resultados positivos para genotoxicidade (tóxico ao material genético)”, informa.

Agnes afirma que a intenção da pesquisa não é contestar ou substituir as 50 variáveis de qualidade da água (físico-químicas, microbiológicas, toxicológicas etc.) já feitas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) naquela região. “O teste proposto vem como um aliado na detecção de substâncias tóxicas. Fazer um prognóstico realista é bastante difícil, pois em cada época do ano podem ser detectados agentes poluentes diferentes. Quanto maior o número de testes, mais eficiente será o nível de detecção”, explica.

Custo reduzido

Segundo a pesquisadora, o uso da cebola para verificar a presença de substâncias tóxicas na água traz a vantagem de se tratar de um produto em abundância no país e que não custa caro. “Estou conseguindo manter uma linha de pesquisa, pois o mais dispendioso é o nitrogênio líquido para o congelamento da lâmina e alguns reagentes”, diz. Além disso, a pesquisadora enfatiza a importância de preservação das águas, pois muitas pessoas retiram do rio o seu sustento. “Devemos levar em consideração a preservação de toda a biota. Preservar e conscientizar é o caminho, pois as reservas de água doce de qualidade estão ficando cada vez mais escassas”, diz, lembrando que os investimentos em saneamento básico na região estão sendo feitos, porém não abrangem todas as cidades do Vale do Paraíba.

Os experimentos relativos à pesquisa foram iniciados em 2005 e tiveram continuidade depois disso. No ano passado, Agnes contou com o trabalho do aluno Leonardo Maurer, do curso de ciências biológicas da Unitau, para fazer o levantamento. Na ocasião, os experimentos foram realizados somente em Tremembé, em dois períodos, abril (época de chuva) e agosto (estiagem). De acordo com Maurer, os resultados obtidos no mês de abril apresentaram aumentos significativos de anomalias cromossômicas, principalmente do tipo stickiness ou “cromossomos grudentos”. “As anomalias encontradas indicam que a água coletada no mês teve um potencial mutagênico capaz de prejudicar os organismos que vivem naquele ambiente ou utilizam aquela água”, explica.

No relatório de qualidade de água da Cetesb relativo a abril do ano passado, foram encontrados níveis de alumínio duas vezes maiores do que o máximo permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). “O stickiness é o efeito mais comum causado por alumínio”, afirma Maurer. Segundo ele, a sazonalidade também pode ocorrer naquela região e o fenômeno pode estr relacionado às descargas que são recebidas diariamente no rio.

Segundo o pesquisador, quantidade, qualidade (industrial, agrícola, doméstica), chuvas e autodepuração podem interferir no resultado das coletas, uma vez que a água é retirada num certo momento do rio. “Por esse motivo, um monitoramento diário é indicado, podendo-se utilizar o Teste Allium”, diz Maurer. Para ele, as vantagens da técnica envolvem o fácil preparo do experimento, o baixo custo e a obtenção rápida de resultados, aliados a uma boa correlação com outros organismos (acima de 80%), além de alta sensibilidade.

O teste proposto vem como um aliado na detecção de substâncias tóxicas. Fazer um prognóstico realista é bastante difícil, pois em cada época do ano podem ser detectados agentes poluentes diferentes. Quanto maior o número de testes, mais eficiente será o nível de detecção.

Fonte: Correio Braziliense