Agricultores do semiárido recorrem à tecnologia para sobreviver
Por Camila Nobrega
Enquanto o mundo inteiro discute o impacto ambiental que será provocado pelas mudanças climáticas, o agricultor Laurivan da Gama estuda o assunto às pressas para tentar entender o porquê de seus poucos hectares de terra cultivarem apenas solo rachado desde o fim do ano passado.
Em uma medida extrema pela sobrevivência das plantações, ele e outros agricultores do semiárido baiano montaram um fundo que vem sendo apelidado de Fundo Chuva, mas, para Laurivan, poderia se chamar Fundo Desespero. Em dezembro, eles contrataram uma tecnologia da empresa paulista Modclima para induzir chuvas no local, na tentativa de reverter a situação da barragem da qual eles dependem. A barreira que retém a água no local opera com apenas 20% de sua capacidade e a tecnologia contratada é considerada a cartada final pelos produtores locais.
Os agricultores fazem parte do grupo do Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Mirorós (Dipim), que até o momento tinha o abastecimento de água garantido por essa barragem, a Manoel Novaes, construída pelo governo federal. Mas, atualmente, a barreira registra o nível de água mais baixo já visto no local, enquanto a demanda por água só aumenta. Além da agricultura, a água retida pela Manoel Novaes abastece casas de 15 municípios da região, que têm prioridade na distribuição da água em relação às plantações, e é responsável pela irrigação de um afluente do São Francisco.
Se a previsão de um período maior de estiagem este ano se confirmar, a produção inteira ficará comprometida, levando junto a renda de mais de seis mil pessoas que trabalham com a agricultura local. Segundo Laurivan, que é um dos presidentes do Conselho Gestor do Dipim, o grupo é composto de pequenos produtores, com áreas de, em média, cinco hectares e famílias inteiras dependendo da colheita de frutas e outras culturas: – No ano passado, também por causa da estiagem, perdi cerca de 25% em produtividade, o que equivale a uns R$ 20 mil. É muita coisa para nós. E isso porque eu tenho dez hectares, diferentemente da maioria. Essa tentativa de trazer tecnologia para fazer chover é nossa única esperança.
Depois disso, é estado de calamidade total. Todo mundo ficaria sem renda – disse ele, que está aprendendo as possíveis causas do problema para manter sua produção de bananas e goiabas: – A gente não tem certeza se é mudança do clima, mas que algo está mudando por aqui, isso está.
Chove cada vez mais em alguns lugares e menos em outros. Foi por meio de uma pesquisa sobre novas tecnologias relacionadas às alterações do clima que o grupo chegou até a empresa Modclima, proprietária da patente de uma tecnologia simples, mas que carrega a aposta de todos os agricultores para minimizar os impactos da falta de chuvas.
Sediada em São Paulo, a pequena empresa conta com a ciência e a criatividade para se colocar no mercado como uma alternativa às consequências das mudanças climáticas. Segundo a diretora de planejamento da Modclima, Marjorie Imae, o processo de produção de chuvas é limpo e consiste basicamente na indução de chuvas a partir do lançamento de gotas em aglomerações de nuvens: – Há muitas nuvens no local, mas elas passam por cima da área do Dipim e a chuva só cai em outros lugares.
O que a gente faz é lançar gotas nas nuvens para que elas fiquem mais pesadas e, assim, ocorra a precipitação. Muita gente nos chama de loucos, mas muda de opinião quando vê a chuva caindo. Quando meu pai, Takeshi Imae, criou a tecnologia, a necessidade não era tão urgente. Agora, quase dez anos depois, estamos descobrindo que somos uma ferramenta efetiva de combate à seca no semiárido.
E estamos tendo essa oportunidade graças à organização dos próprios agricultores, que estão correndo atrás de saídas para o problema.
O primeiro grande contrato da empresa foi feito com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fabesp), com objetivo de regular as chuvas em algumas regiões do estado. Outro trabalho grande foi feito também na Bahia, também com apoio do governo estadual, na Chapada Diamantina. Foi por meio desse último que os agricultores do Dipim ficaram sabendo da tecnologia.
O projeto na Bahia está sendo desenvolvido com apoio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), que firmou parceria com o Dipim. A empresa, vinculada ao Ministério da Integração Nacional com o objetivo de promover o desenvolvimento e a revitalização das bacias dos rios São Francisco e Parnaíba, vai arcar com 2/3 dos custos do projeto. A proposta inicial era investir em obras que desviassem água de afluentes do São Francisco, mas os agricultores provaram que não havia tempo de esperar esse tipo de investimento.
A apreensão agora é em relação aos resultados, já que não há ainda um plano B que possa minimizar os efeitos da forte seca. De acordo com Paulo Henrique Santos, gerente do Dipim, as primeiras chuvas induzidas pela Modclima na região, em janeiro deste ano, não foram suficientes. O desespero é grande porque, se a capacidade da barragem ficar abaixo de 12%, a irrigação das culturas será suspensa.
Segundo Paulo Henrique, foi a iminência dessa possibilidade que fez os agricultores viabilizarem um Fundo Chuva, no qual aplicaram as economias: – Fizemos uma poupança para custear algo que pudesse ajudar a todos. E não foi fácil chegar a um consenso, porque as chuvas não ocorrem uniformemente e podem não irrigar alguns terrenos, por exemplo. De início, o projeto vai nos custar R$ 377 mil, por 50 horas de voo dos pilotos da Modclima. O governo vai pagar os outros 70% dos custos, mas sabemos que ainda pode ser pouco, precisávamos de mais verbas, porque são muitos brasileiros envolvidos. Não tem como ficar parado diante dessa situação, se não a gente morre de fome.
De acordo com o diagnóstico da empresa Modclima no local, seria necessário ampliar o projeto, para que fossem feitos mais voos e houvesse maior probabilidade de se garantir maior volume de água na barragem. Mas, por enquanto, isso não é possível, por restrições orçamentárias. Segundo os agricultores, porém, isso só ocorre devido a divergências políticas que separam as políticas públicas do estado e do governo federal. Já que, tanto o Ministro da Integração, Geddel Vieira, quanto o governador da Bahia, Jacques Vagner, são candidatos ao governo do estado nas próximas eleições, os projetos são feitos separadamente no local. O estado não quis apoiar, por exemplo, esse projeto com a Modclima, pois investe na construção de uma adutora no São Francisco e não negociou com o Ministério da Integração.
Mesmo assim, os produtores do semiárido e os funcionários da Modclima apostam na semeadura das nuvens no local. O próximo voo deverá ser feito nesse início de mês, para encher a barragem. E, dada a necessidade crescente na indução de chuvas, a Modclima já está investindo até em outros meios de oferecer projetos cada vez mais amplos. O próximo passo será uma inovação para recuperar áreas degradadas, o que poderia contribuir para todo o ciclo hidrológico nas regiões. E como, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU prevê queda de quase 30% na vazão do São Francisco até 2040, o investimento na tecnologia parece fazer todo sentido.
Para mais informações acesse o site: www.modclima.com.br
Fonte: Jornal O Globo