Por Daniel Mello
Gonçalves, em Minas, se transforma em polo de produção de orgânicos: Plantação de repolho orgânico no Rancho Biju em Gonçalves (MG)
A cidade mineira de Gonçalves, localizada em um vale da Serra da Mantiqueira, está se tornando um importante centro de produção orgânica. Há cerca de dez anos, a cultura mais importante do município era a batata. Os agricultores não estão conseguindo produzir o suficiente para atender à demanda crescente por legumes e verduras plantados sem agrotóxicos.
“Falta produto. Na verdade, tentamos aumentar a produção, mas o clima não está ajudando”, afirma Carla Beschizza, sócia e administradora da Orgânicos da Mantiqueira, empresa responsável por comercializar a produção da região.
“Aqui está se tornando um polo de orgânicos. Mas tem muita gente que ainda planta cenoura e batata no sistema convencional”, diz Carla.
A maior parte da produção orgânica da cidade mineira é vendida em São Paulo, em cestas com dez itens que são entregues em domicílio. Segundo Carla, a instabilidade do clima, no entanto, prejudica a montagem das cestas, impedindo a manutenção da diversidade de produtos. Algumas vezes, as temperaturas chegam a variar 10 graus centígrados num mesmo dia.
Também faltam distribuidores para escoar a produção em São Paulo. “Pode fazer propaganda aí, quem sabe aparece mais alguém”, brincou a empresária. A maior parte da produção de orgânicos de Gonçalves não é vendida nos supermercados e, sim, entregue a oito pessoas que a redistribui ao consumidor final. Elas recebem as cestas em Pirituba, região norte da capital paulista, e as revendem por um preço que varia de R$ 30 a R$ 35.
O modo de distribuição alternativo e alguns contratos com supermercados garantem um faturamento mensal de aproximadamente R$ 50 mil. Carla explica que a maior parte dos rendimentos é destinada aos produtores. “A empresa funciona basicamente como uma cooperativa”, explica.
A renda obtida com a venda da produção proporciona uma vida razoável aos agricultores dedicados a orgânicos. “Nenhum deles está nadando em dinheiro, mas também não há nenhum pobrezinho.” Carla conta ainda que metade desses produtores adota um sistema de agricultura familiar, enquanto o restante contrata empregados como em uma propriedade tradicional.
Um dos responsáveis por implementar a plantação de verduras e legumes sem agrotóxicos em Gonçalves, Paulo César de Castro utiliza em suas terras um modo de produção misto. São quatro pessoas trabalhando, incluindo ele próprio e seu pai, e os outros dois são contratados. Eles usam na produção um trator comprado recentemente. “Aqui não tem mão de obra, então, a gente tem que investir em equipamento para aumentar a produção e se cansar menos.”
De acordo com Castro, a produção orgânica exige até três vezes mais do agricultor porque, como não há uso de herbicidas, é maior o manejo manual. Ele vê esse modo de produção até como uma possível solução para a falta de emprego no campo. “Se a gente conseguisse aumentar bem mais a produção de agricultura orgânica, com certeza ia ter menos deslocamento de mão de obra para a cidade. Agricultura orgânica exige muita mão de obra.”
O esforço é recompensado pela estabilidade de rendimentos. De acordo com o agricultor, os preços dos orgânicos variam muito pouco durante o ano. Outro ponto interessante é a rotatividade de culturas que permite colheitas constantes. “Toda a semana você está colhendo, tem uma estabilidade e um giro de dinheiro que facilita a vida da gente”, observa o produtor, diante de sua plantação de brócolis e couve-flor.
As terras das propriedade de Castro estão divididas em quatro partes: em uma, a terra acabou de ser preparada para ser semeada; na segunda, as plantas acabaram de brotar; na terceira, os vegetais estão prontos para serem colhidos e, na última, a colheita já foi feita.
“Antes não, você fazia o que a gente chama de lavoura das águas. Fazia uma ou duas grandes lavouras no ano. Se tivesse a sorte de conseguir um bom preço, estava sossegado. Se a lavoura fosse estragada por um temporal, não tinha outra pronta para colher e substituir a produção perdida.”
Os problemas de produção relacionados com o clima poderiam ser solucionados, na opinião do agricultor, com o desenvolvimento de sementes adaptadas às diferentes condições atmosféricas. “Sem uma pesquisa que nos leve a uma semente híbrida orgânica, adaptada a cada época do ano, vai ser complicado produzir. O clima está muito maluco.”
TURISMO TAMBÉM CRESCE NA CIDADE
O cultivo de alimentos orgânicos em Gonçalves, no sul de Minas Gerais, não impulsiona apenas a agricultura local, mas também o turismo. Atraídas por frutas, verduras e legumes produzidos sem agrotóxicos ou aditivos químicos, cerca de 500 pessoas visitam todos os sábados a feira promovida pelos agricultores do município.
Grande parte dos visitantes sai da Grande São Paulo, a cerca de 200 quilômetros de Gonçalves. Eles aproveitam para subir a Serra da Mantiqueira e desfrutar das cachoeiras e outras atrações do município mineiro. Dos morros, a vista é panorâmica. Dos vales, é possível apreciar a serra coberta de vegetação.
“Muita gente que está aqui vem de São Paulo para comprar. Passa o fim de semana e leva a feira para casa”, conta Carla Beschizza, sócia e administradora da Orgânicos da Mantiqueira.
Alguns visitantes gostam tanto do lugar que acabam indo morar em casas no meio do vale, que se avistam do alto da estrada. Esse foi o caso da empresária Fernanda Kurebayashi, que há sete anos mudou-se de São Paulo para Gonçalves, cidade com cerca de 5 mil habitantes.
Ex-bancária, Fernanda gostou da qualidade de vida do município e começou a fazer planos de viver no lugar. Ela conta que pesquisou sobre o que poderia fazer para viver na cidade e optou pela produção de geleias artesanais.
Atualmente, a loja de Fernanda vende geleias exóticas para os estados do Amazonas e de Santa Catarina e exporta para a França e a Alemanha. Um dos produtos é a geleia de tamarillo, um tipo de tomate silvestre. Tudo é feito com açúcar orgânico e com frutas colhidas na região e cultivadas sem defensivos agrícolas.
Fernanda acredita no potencial turístico das belezas da Serra da Mantiqueira combinado com o apelo ecológico e saudável da alimentação orgânica. “O sonho de alguns proprietários e empresários de Gonçalves é transformar a cidade em um polo orgânico.”
Em agosto, a empresária participou do 5º Inverno Orgânico, evento realizado anualmente, com o objetivo de difundir a cultura da alimentação orgânica, unindo a oferta de opções gastronômicas a apresentações musicais e oficinas de culinária. O festival é uma iniciativa da Orgânicos da Mantiqueira apoiada por restaurantes e pousadas da região.
“O [alimento] orgânico é um canal bom de turismo”, diz Carla Beschizza, que reclama da falta de apoio da prefeitura. Segundo ela, com essa ajuda seria possível tornar o evento mais conhecido e atrair mais visitantes. “Na verdade, falta mão de obra, infraestrutura e apoio da prefeitura. Se a prefeitura apoiasse, dava para fazer um superevento.”
O prefeito Luiz Rosa da Silva explica, porém, que só não ajuda porque não tem condições. “O município não tem condições de dar tudo o que o povo precisa”, admite Rosa, embora reconheça que o turismo já tem importante papel na economia local. Nos últimos anos, o número de pousadas mais do que dobrou, passando de 13 para 30.
O chef Ricardo Andrade confirma a vocação turística do município. Sócio de um restaurante, ele diz que o turismo caminha a “passos largos” na cidade, apesar de ainda estar longe de ser um grande polo de visitação. “É cedo ainda, muita gente está pela primeira vez na cidade.”
Ele ressalta que Gonçalves não está pronta para o turismo de massa, como municípios próximos, entre os quais Campos do Jordão. “Acho que também que turismo de massa não será o forte da cidade. Aqui o pessoal tem essa preocupação com meio ambiente, qualidade de vida. Gonçalves acaba atraindo um público mais com esse perfil.”
MAIS INFORMAÇÕES
Orgânicos da Mantiqueira
Rua Fausto Resende, 183 – Centro
CEP 37680-000 – Gonçalves/MG
Telefone: (35)3654-1453
Fax: (35)3654-1487
E-mail: goncalves@organicosdamantiqueira.com.br
Fonte: Agência Brasil