Dois ditados populares dizem que “tempo é dinheiro” e que “o seguro morreu de velho”. E se o senso comum pode se aproximar da ciência, a união de economia de tempo e segurança tem muito para ser um bom negócio. É isso que traz um resultado científico: uma nova metodologia desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) reduz a quarentena — período em que plantas importadas ficam em observação fitossanitária. Essa fase é necessária para evitar o ingresso de pragas e doenças no País, que podem colocar em risco o ecossistema nacional. A nova metodologia vem reduzir o tempo de restrição de plantas e, consequentemente, de desenvolvimento de pesquisas.
O IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, tem um dos dois quarentenários nível I existentes no Brasil destinados a receber todas as espécies de plantas e solo, inclusive organismos geneticamente modificados (OGM) — os transgênicos. Sua relevância é estratégica também pela localização geográfica – próximo ao Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, e em meio a importantes rodovias. A nova metodologia irá otimizar o uso desse espaço, que é de alto custo de manutenção em razão dos aspectos de controle de ambiente e de segurança.
Intitulada “Análises moleculares de bactérias e fungos em cana-de-açúcar”, a pesquisa resultou em uma metodologia facilitadora do diagnóstico molecular, que pode ser efetuado assim que a planta apresenta folhas em tamanho e quantidade suficientes para as análises. “Isso diminui o tempo de quarentena porque permite o diagnóstico de doenças antes do aparecimento dos sintomas, que podem ocorrer de 6 a 12 meses”, explica a coordenadora da pesquisa, Haiko Enok Sawazaki, pesquisadora do IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.
A redução do tempo, além de acelerar o andamento dos estudos, implica em economia de recursos em função da disponibilização de espaço na sala de quarentena em menor tempo. “Diminuímos os custos, já que o quarentenário é um ambiente controlado, livre de doenças. No caso da cana-de-açúcar, a liberação mais rápida agiliza também os processos posteriores de melhoramento genético na obtenção de cultivares elite”, avalia Haiko.
A pesquisa recebeu, este ano, o Prêmio “Victória Rossetti”, pelo melhor trabalho apresentado no XXXIII Congresso Paulista de Fitopatologia. Haiko e Renato Ferraz de Arruda Veiga, ambos pesquisadores do IAC, e quatro bolsistas do Instituto — Camila Ribeiro, Manoela Martins, Virgínia Carvalho e Marina Senger — foram agraciados.
Veiga comenta que o alicerce de qualquer pesquisa em melhoramento genético, que neste caso é o da cana-de-açúcar, está nos bancos de germoplasma, onde se encontra o material genético necessário para manipulação dos pesquisadores. O Estado de São Paulo tem 50% dos bancos de germoplasma do mundo — e o IAC reúne 75% dessas coleções paulistas de plantas.
A importação desses recursos genéticos traz também o risco da introdução de novas doenças e pragas no País. Daí a necessidade da quarentena, cujo período interfere no andamento das pesquisas. O tempo pode variar conforme o ciclo da planta ou da praga quarentenária. “A liberação da planta ocorre posteriormente ao período no qual nenhuma praga tenha sido detectada ou após ter sido limpa fitossanitariamente, já que são muitas as pragas ainda não detectadas no Brasil”, explica Haiko.
Segundo Veiga, muitos prejuízos ao ecossistema já foram causados em diversos países em decorrência da entrada de plantas exóticas. Essas espécies, com o tempo, podem alterar a organização da vida vegetal e animal, causando danos à biodiversidade local. “Esse risco levou a Organização das Nações Unidas (ONU), a criar, em 1997, o Programa Global de Espécies Invasoras”, diz.
Marcador específico para a doença do carvão — que ataca a cana — ainda não existia na literatura
A metodologia utilizada na pesquisa é específica para as doenças da cana-de-açúcar. Segundo a pesquisadora Haiko Sawazaki, cada doença tem seu marcador específico. “No caso da cana foi desenvolvido um iniciador específico para a doença do carvão, que permite a detecção em plântulas, que ainda não existia na literatura”, explica. O carvão é uma das principais doenças fúngicas que acometem a cana-de-açúcar.
De acordo com a pesquisadora do Centro de Cana do IAC, Silvana Creste Souza, a doença está disseminada em todos os Estados do Brasil. “O impacto do carvão sobre a produtividade é dependente da susceptibilidade da cultivar, podendo atingir 100% de perdas na produtividade em cultivares muito sensíveis”, explica Silvana. Ela afirma que a melhor forma de controle é o uso de variedades resistentes, já que o controle químico não é viável economicamente.
A pesquisadora Haiko diz que o básico da metodologia de análise molecular por PCR (Polimerase Chain Reaction) existe para qualquer cultura, necessitando, porém, do desenvolvimento de marcadores específicos e ajuste das condições do PCR. “O desenvolvimento de marcadores específicos para várias características está sempre sendo procurado na pesquisa, tanto em plantas como em animais”, afirma Haiko.
Continuidade do trabalho premiado
A pesquisa agraciada com o Prêmio “Vitória Rosseti” foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e segue com o desenvolvimento de uma nova etapa para diagnóstico de outras doenças, com o uso de metodologias diversas. A previsão de conclusão da nova etapa é de dois anos.
Fonte: IAC