Produtores investem na fabricação de derivados de pimenta para escapar do fantasma da antracnose
Pelo colorido dos grãos que enchem sacos e silos e pela palha amarela que resta no chão, toda planta fica mais bonita na época da colheita, mas um pimental maduro é colírio para os olhos de qualquer um. No meio da folhagem verde, pendem as vagens vermelhas cujas pontas delgadas lembram “dedos de moça”, como diz a linguagem popular. Arbusto de meio metro de altura, a pimenteira carrega de baixo para cima e vai dando sucessivas camadas – do auge do verão à metade do outono.
Em Turuçu, no sul gaúcho, colhe-se de fins de fevereiro a início de maio em latas de sete quilos. Cada lata de pimenta fresca rende um quilo de pimenta seca, produto que alcança de cinco a seis reais posto na fazenda. Um quilo só de sementinhas de boa qualidade pode render 40 reais. Grande e brilhante pimenta-vermelha!
Parece fácil, mas a vida dos pimenticultores nunca foi tão dura em mais de 50 anos de uma história que se desenvolveu no quieto, à sombra da fruticultura (pêssego, morango) e da agroindústria de conservas (frutas, aspargos, pepinos, ervilhas), duas atividades interligadas que deram fama e fortuna à antiga zona colonial de Pelotas.
Há 15 anos, quando Turuçu se emancipou, a pimenta-vermelha ainda não brilhava na vida econômica dessa vila da beira da BR-116, marcada desde sempre pelo curtume de Arthur Lange, um descendente de imigrantes alemães – comuns naquela região. A virada para a pimenta foi uma inspiração de Selmira Fehrenbach, a segunda prefeita de Turuçu, eleita em 2000.
Disposta a tirar a Vila Arthur Lange de sua mesmice colonial, ela desafiou a técnica agrícola Dalgisa Philipsen, da Emater, a “inventar” algo para agregar valor à pimenta-vermelha, a única cultura diferente numa região dominada pela criação de gado e pelas lavouras de arroz e soja. Até então, os produtores locais se limitavam a vender a pimenta – desfiada em moinhos rústicos e seca ao sol em lajes de cimento – a compradores de indústrias de São Paulo.
Dalgisa pediu ao professor Marcelo Peter, da Escola Agrícola Visconde da Graça, de Pelotas, que desenvolvesse uma geleia de pimenta. “Até então não havia essa iguaria”, diz ela. Foi essa a base da próspera agroindústria pimenteira de Turuçu, divulgada especialmente em repartições públicas de Porto Alegre e Brasília, onde durante oito anos a prefeita distribuiu guloseimas saquinhos da especiaria que podia carregar a cada viagem.
No começo era mais propaganda do que realidade, mas, em consequência do esforço original, hoje já se fala de uma centena de produtos temperados pela pimenta-vermelha ou similares. De geleias a queijos, boa parte dessa produção escoa pela Casa da Pimenta, um empório de produtos da culinária artesanal. Criada e mantida inicialmente pela prefeitura, a Casa da Pimenta é gerida há cinco anos pela Cooperativa das Atividades Agroindustriais e Artesanais dos Agricultores Familiares de Turuçu (Cooperturuçu), com 31 sócios, a maioria mulheres. Vai bem o empreendimento aberto no quilômetro 482 da BR-116, que liga Pelotas a Porto Alegre. Muitos viajantes, inclusive “hermanos” do Mercosul, param por curiosidade naquele ermo varzeano e acabam lotando o carro de alimentos, temperos e guloseimas.
Abalada pela recente falência do velho curtume, que deixou na mão metade da população turuçuense (4 mil habitantes), a cidade precisa mais do que nunca construir uma identidade nova, ainda que calcada num tempero tido como anticancerígeno, anti-inflamatório e antioxidante. Mais do que um símbolo, a Casa da Pimenta é a nova cara de um jovem município que tenta se afirmar usando a moderna ferramenta da agregação do valor da produção agrícola, tudo isso temperado pelo marketing.
Na primeira quinzena de abril, Turuçu fez a décima Festa da Pimenta Vermelha, evento marcado pelo fantasma da antracnose, doença fúngica presente em outras lavouras, como morango, pimentão e cítricos, mas que atacou violentamente a pimenticultura gaúcha.
Ainda que não seja um bicho de sete cabeças, o fungo da antracnose parece fortalecido pelas mudanças climáticas, que intensificam o calor e as chuvas, gerando mais umidade no verão, quando amadurecem as vagens das pimenteiras. Com medo do fungo, dezenas de produtores abandonaram a cultura ou restringiram a área plantada. Dos 240 hectares cultivadas no final do século XX, restam hoje menos de 50 hectares. “Há algumas décadas, um quilo de pimenta valia ouro”, lembra o produtor Silvino Ramm, com nostalgia.
Apesar dos pesares, ele continua plantando. As áreas dos pimentais são pequenas, típicas da olericultura ou da fruticultura. Num hectare vão em média 22 mil plantas. Se tudo corre bem, cada planta produz uma média de um quilo de vagens. No passado, as lavouras não exigiam senão capinas manuais ou mecânicas. Em anos recentes, os pimenticultores passaram a receber não apenas novas variedades de sementes, supostamente mais resistentes ao fungo, mas diferentes instruções de manejo das lavouras. “Agora o agricultor precisa aplicar fungicidas”, diz o agrônomo Lauro Schneid, há 11 anos a serviço da Emater em Turuçu. Há casos em que o veneno não evita o prejuízo.
A conselho do agrônomo Bernardo Ueno, da Embrapa Fruticultura, o produtor Leomar Gobel fez “pelo menos” seis aplicações de fungicida. Mesmo assim perdeu quase toda a lavoura. Amarga decepção. No ano anterior, Gobel havia perdido toda a pimenta para a enchente do arroio Corrientes, que passa no fundo de sua propriedade. “Este é o meu terceiro ano ruim”, diz ele, lembrando o episódio de 2008, quando entregou a maior parte da safra a um atravessador que nunca voltou para lhe pagar.
Fonte: Jornal Diário da Franca