Santo remédio!

O Ministério do Bom-humor adverte: consumir pimentas e pimentões alivia dor de cabeça, melhora a circulação e não faz mal para o estômago.

 

Por Luiz Figueiredo

    
Um molho especial de pimenta caiu na mesa de Marcos Cury, num bar, em Campinas, no interior do Estado de São Paulo e virou o centro das atenções. Ele criou cinco misturas para utilizar em salgados e lanches, nas reuniões com os amigos. A mesa ao lado experimentou, o boca-a-boca atraiu outros fregueses do bar e as encomendas só fizeram aumentar. O blend ganhou nome e embalagem — “Ardência no Regaço” — e obrigou o representante de material de engenharia a virar empresário.

Hoje, a pimenta é o principal fruto dos Cury em uma das maiores empresas de conservas e condimentos finos do País. Representa 50% das 20 toneladas de tudo que é produzido no sítio da família, em Morungaba, vizinha a Campinas. A produção já tem certificação como cultura orgânica, com reconhecimento internacional, e é exportada para países da Europa e Ásia, além de ser distribuída em 800 pontos de vendas no Brasil.  

A família Cury prospera com bom-humor e praticamente sem dor-de-cabeça. E não é força de expressão. Essas são duas das propriedades terapêuticas das pimentas, segundo o clínico geral Alexandre Feldman. “Existem estudos demonstrando a eficácia da capsaicina e da piperina — componentes químicos, respectivamente, da pimenta vermelha e da pimenta-do-reino — na prevenção a dores de cabeça. Essas substâncias também possuem propriedades anticâncer. Comer pimenta ainda ‘provoca’ bem-estar, devido à estimulação à liberação de endorfinas, fabricadas no cérebro e responsáveis por sensações agradáveis, gerando bom humor”, explica.  

Feldman conta que maias, astecas, hindus e várias tribos africanas sempre foram comedores de pimenta, hábito hoje disseminado entre seus descendentes, no México, Índia, África e nordeste do Brasil (por influência africana). O médico é um defensor das pimentas e incentivador de seu consumo como remédio e na prevenção de doenças. As substâncias químicas que tornam as pimentas ardidas são capazes de combater dores crônicas, por sua ação antiinflamatória. A recomendação é experimentar sem medo do sabor picante e, assim, acostumar, pouco a pouco. A alimentação deve ser saudável e o tempero das refeições, moderado, mas qualquer tipo de pimenta serve.  

Funciona contra enxaqueca, por exemplo. Alexandre Feldman tem uma receita caseira publicada no livro Enxaqueca, finalmente uma saída, de sua autoria. “Já recebi, através do meu site, relatos de pessoas que utilizam chá de pimenta, com sucesso, quando têm dores de cabeça. É só misturar 6 ou 7 grãos de pimenta-do-reino em uma xícara de água fervendo, deixar por 10 minutos e tomar em seguida”, assegura. E contesta algumas crenças populares: “Dizem que pimenta provoca gastrite, úlcera, pressão alta e até hemorróidas. Tudo isso é mito e nunca foi demonstrado na literatura médico-científica”.  

Sejam destinadas à Medicina ou à culinária, as pimentas e os pimentões garantem alta variedade de opções. As espécies nativas são todas do gênero Capsicum, da família Solanaceae. Cerca de 12 mil hectares delas são cultivados anualmente no país, gerando recursos da ordem de US$ 1,5 milhão, somente na comercialização de sementes, segundo estatísticas da Embrapa Hortaliças. A área de cultivo brasileira, no entanto, é considerada insignificante se comparada à chinesa, cerca de 8.400 vezes maior.

 “O Brasil ainda é pouco competente na produção de pimenta, principalmente a malagueta. A Índia é a maior produtora dessa pimenta brasileira. O País não acordou: tem tudo para ser o maior produtor do mundo e não é”, desabafa a jornalista Rosa Nepomuceno, autora do livro Viagem ao Fabuloso Mundo das Especiarias. Para ela, a malagueta é a verdadeira “pequena notável” porque está inserida na culinária e no cultivo em escala mundial.  

E quando se pensa no conhecimento sobre a diversidade genética das espécies nativas brasileiras, então, a defasagem é ainda mais grave. Mesmo sendo origem de grande número de espécies do gênero Capsicum, com áreas importantes de ocorrência tanto na Mata Atlântica como na Amazônia, o Brasil ainda engatinha nas pesquisas. Estudos da Embrapa Hortaliças recomendam programas de melhoramento das coleções de germoplasma de todo o gênero. Falta conhecimento sobre resistência a doenças, sabor, aroma, cor, tipo de fruto ou produtividade.  

A própria Embrapa procura preencher a imensa lacuna com o projeto Capsicum, uma expedição de pesquisadores que foi a campo em busca de espécies silvestres, semidomesticadas e domesticadas. Informações relevantes foram levantadas e incorporadas à literatura técnica sobre as pimentas brasileiras. Os pesquisadores verificaram que o número de espécies silvestres brasileiras parece ser maior do que o referido em bibliografia; expandiu-se, consideravelmente, o conhecimento sobre a distribuição geográfica de algumas espécies; o Sudeste brasileiro foi confirmado como o maior centro de diversidade para espécies silvestres do gênero; acrescentaram-se informações sobre a estrutura de populações; as espécies silvestres brasileiras apresentam uma dispersão diferente daquelas semidomesticadas.  

Além da informação, a qualidade e a quantidade do material coletado permitirão o estabelecimento, senão da única, da maior coleção de espécies silvestres de Capsicum. Quem sabe assim o brasileiro acorda para o valor ardido de uma de suas melhores aliadas de mesa. Como diria o filósofo Aristóteles, “a natureza não faz nada sem propósito”.  

Uma família famosa  

A batata (Solanum tuberosum), a beringela (Solanum melongena), o tabaco (Nicotiana tabacum), o tomate (Lycopersicon esculentum) e as pimentas (Capsicum sp.) pertencem à mesma família vegetal: as solanáceas. Trata-se de uma grande família, espalhada por todo o planeta, com mais de 90 gêneros e cerca de 3.000 espécies. Apesar da distribuição mundial, a maioria das espécies se concentra na América do Sul, na América Central e na Austrália. Na sua grande maioria, são ervas e arbustos.  

A palavra solanácea vem do latim solari – consolar ou aliviar – devido às propriedades calmantes (narcóticas) de algumas espécies. Outras são venenosas e terapêuticas: o tabaco (rico em alcalóides e com propriedades inseticidas), a mandrágora ou Mandrake (Mandragora officinarum), a belatona (Atropa belladonna, de onde extrai- se a atropina), a erva do diabo do escritor Carlos Castañeda e as daturas (Datura inoxia, D. stramonium), ricas em estramônio e escopolamina.  

Entre pimentas e pimentões – verdes, vermelhos, doces e tipo caiena – são mais de 20 espécies do gênero Capsicum, com grande variedade de tamanho, cor, forma e pungência, como a pimenta malagueta (Capsicum frutescens); a rocoto (Capsicum pubescens); a pimenta vermelha, cambuci, fina, dedo de moça (Capsicum baccatum); a pimenta jalapeña (Capsicum annuum), e a pimenta de passarinho, de cheiro ou de bode (Capsicum chinense), que apesar do nome é originária das Américas.  

Muitas são silvestres e outras totalmente domesticadas pelo homem. Entre as cultivadas no Brasil, apenas uma veio da Ásia: a pimenta-do-reino, que, a rigor, não é uma pimenta como as outras: pertence à família das piperáceas (seu nome científico é Piper nigrum) e tem princípios ativos bem diferentes. Na América do Sul, a maior diversidade de espécies do gênero Capsicum encontra-se na Mata Atlântica entre o Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.  

(Evaristo E. de Miranda é doutor em Ecologia e pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite)


Tesouro do descobrimento
  

Cristóvão Colombo descobriu as pimentas em 1492. Diego Alvarez Chanca, médico a bordo da segunda expedição de Colombo (de 1493), embarcou as primeiras plantas de Capsicum para a Espanha. Em 1494, escreveu sobre os efeitos medicinais destas plantas. Levadas pelos portugueses para a Europa, África e Ásia, já no século 16 uma variedade de pimenta em Goa (Índia) era chamada de Pernambuco, documentando sua origem. O Livro de Cozinha da Infanta Dona Maria de Portugal, de 1507, apresentava diversas receitas de carnes com pimenta.  

Outro registro histórico é do alemão Hans Staden, prisioneiro dos índios tupinambás entre 1547 e 1555. Ele fez um relato bastante circunstanciado das pimentas: “Há duas qualidades de pimenta naquela terra. Uma é amarela, outra vermelha. Ambas as qualidades crescem, porém, da mesma maneira.

Quando a pimenta está verde tem o tamanho do fruto da roseira brava, que cresce no espinheiro. O pimenteiro é um pequeno arbusto de mais ou menos uma braça de alto. Tem pequenas folhas e fica cheio de pimenta. A pimenta tem gosto ardido. Os selvagens a colhem e secam ao sol”.  

Staden relatou o uso da pimenta como alimento – “Quando os índios cozinham peixe ou carne põem dentro habitualmente pimenta verde” – e como arma de guerra – “Quando o vento sopra, fazem uma grande fogueira e lançam dentro um montão de pés de pimenta. Se a fumaça dá de encontro às cabanas, o inimigo tem que sair então para fora”. Séculos depois, o mesmo princípio é empregado no spray de pimenta utilizado pela polícia e em armas de defesa pessoal.  

Dentre os primeiros e principais registros científicos sobre a pimenta está o trabalho de Leonhartus Fuchsius de 1543: De historia stirpium. Ele contém a descrição e três desenhos da pimenteira, muito detalhados. Os frutos e sementes da pimenta espalharam-se pelo mundo e foram incorporados à culinárias dos mais diversos povos. Hoje, só a China planta mais de 700 mil hectares de pimenta e os tailandeses e coreanos estão entre os maiores consumidores do mundo: 5 a 8 gramas por pessoa/dia. A palavra pimenta tornou-se sobrenome no Brasil e em Portugal, e tanto pimenta como pimenteiras designam rios, bairros e cidades de Minas Gerais, Mato Grosso, Rondônia e São Paulo.

Cultive sua preferida em casa

More em apartamento ou em casa, você pode cultivar pimentas e pimentões em vasos e jardineiras. As dicas dos cuidados necessários são do paisagista e fotógrafo Du Zuppani:

» As pimenteiras são vendidas em lojas especializadas e supermercados. Se preferir, compre sementes, plante a meio centímetro da superfície e, quando germinar, escolha a melhor muda e elimine as outras
» A medida mínima do vaso é de 20 cm de diâmetro e 30 cm de altura
» Os vasos ou jardineiras devem ficar em lugares de bastante claridade ou com algumas horas de sol
» No fundo do vaso coloque 2 cm de pedra brita ou caco de telhas para a drenagem
» Utilize composto já pronto ou faça o seu: 70% de terra, 20% de areia e 10% de terra orgânica
» Molhe duas a três vezes por semana. Quando a terra estiver úmida adie uma rega
» Se observar anomalia no desenvolvimento, avalie se a planta não está em local inadequado
» Se quiser guardar sementes para novo plantio, tire do fruto, embrulhe em jornal e deixe secar em lugar fresco

Capriche na conserva   

Ingredientes:
1 copo de vinagre branco
1 copo de cachaça
1 colher (de sopa) de açúcar
1 colher (de chá) de sal
Cerca de 500 g de pimentas selecionadas  

Modo de preparo:
Faça o branqueamento das pimentas, ou seja, coloque-as na água fervente e deixe em torno de 20 segundos. Retire e mergulhe em água gelada. Seque as pimentas. Faça uma calda com o vinagre, a cachaça e o açúcar, levando esta mistura para ferver por 2 minutos. Coloque as pimentas num vidro esterilizado e jogue por cima a calda quente. Se quiser, tempere com dente de alho ou cebola, para enriquecer o sabor. Tampe o vidro. Forre a panela com um pano, coloque água à temperatura ambiente. Coloque o vidro, tampado, de boca para baixo, sobre o pano. Deixe ferver em fogo brando. Apague o fogo e retire o vidro da água somente depois de esfriar, para não estourar.

Pão delícia

Ingredientes:
50 gramas de fermento biológico
2 colheres de sobremesa de açúcar
_ lata de creme de leite
200 ml de leite
_ xícara de cerveja
_ xícara de óleo de milho
1 xícara de água morna
2 ovos inteiros
1 colher (de sopa) de sal
1 pimentão amarelo
1 pimentão vermelho
1 pimentão verde
1 pitada de bicarbonato de sódio  

Modo de preparo:
Dissolva o fermento em um pouco de água e misture os ovos. Acrescente a cerveja, o sal e o creme de leite, misturando tudo muito bem. Aos poucos, coloque a farinha. Sove a massa (mole), ‘rasgando’ por 5 minutos. Separe em três partes iguais. Bata no liquidificador cada pimentão (com casca e cru) com uma pitada de bicarbonato de sódio. Acrescente à massa 6 colheres de sopa do pimentão batido: uma cor de pimentão para cada parte da massa. Coloque farinha, se necessário, até que solte da mão. Deixe crescer por 20 a 30 minutos. Divida ao meio cada uma das três partes. Pegue uma parte de cada cor e faça rolos para uma forma grande de pão (10x30x8cm). Asse em forno médio por 30 a 40 minutos.

Para saber mais:
Informações gerais no livro Capsicum: pimentas e pimentões no Brasil, editado pela Embrapa e organizado por F. J. B. Reifschneider. No site www.sct.embrapa.br/LiV

Histórias e usos reunidos pela jornalista Rosa Nepomuceno no livro Viagem ao fabuloso mundo das especiarias, já publicado pela Editora José Olympio, e O Brasil na rota das especiarias, da mesma editora, com lançamento previsto para o final do ano. Informações (21) 2585 2060

Dicas de cultivo no site da Embrapa Hortaliças: www.cpnh.embrapa.br/projetos/capsicum/index6.htm

Dicas medicinais no site do Dr. Alexandre Feldman: site www.enxaqueca.com.br

Companhia das Ervas: site www.ciadaservas.com.br e telefone (11) 4014 7521

Fonte: Revista Terra da Gente