Subsídios, o perfume do amor eterno da UE pela agricultura

Política agrícola: Reforma da PAC terá forte oposição à redução de apoios

Por Assis Moreira, de Bruxelas

“Agriculture, je t”aime”. A declaração de amor à agricultura está estampada em um grande cartaz no prédio da direção-geral da União Europeia (UE) para Agricultura, responsável pela gestão do mais generoso sistema de subsídios no mundo. A UE dá € 50 bilhões (cerca de US$ 70 bilhões) por ano para o setor, ou seja, metade do orçamento europeu é destinado ao campo.

Este ano, a agenda da União Europeia será amplamente dominada pela reforma da Politica Agrícola Comum (PAC) e como o sistema de subsídios será financiado após 2013. O resultado do debate definirá o futuro da agricultura europeia nas próximas décadas. E a garantia de amor eterno propagada no prédio da UE parece destinada a acalmar os produtores de que pouco – ou nada – vai mudar.

Em Bruxelas, todos falam em reforma necessária, mas a resistência em baixar os subsídios é cada vez mais forte. Ainda mais após a entrada de um novo ator no jogo com o Tratado de Lisboa: o Parlamento Europeu, antes um simples observador na discussão, agora terá o mesmo poder que os governos nacionais nas decisões.

“Agora temos poder e vamos exercê-lo”, disse em entrevista ao Valor o presidente da Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu, o deputado e ex-ministro italiano da Agricultura, Paolo de Castro. “Reforma da PAC não significa menos subsídios”, avisa. Em sua visão, “reforma significa mostrar claramente à opinião pública que a subvenção não é apenas para os agricultores, mas para proteger bens públicos como segurança alimentar, qualidade dos alimentos e proteção ambiental”.

O novo comissário de Agricultura da UE, o romeno Dacian Ciolos, 40 anos, considerado o “segundo homem da França” no executivo europeu por sua afinidade com a cultura e interesses franceses, engajou-se a lutar para o orçamento não ser alterado. O que ele quer é igualar os benefícios também para os agricultores de membros do Leste Europeu.

Na quinta-feira, seu segundo dia no cargo, Ciolos recebeu a poderosa confederação Copa-Cogeca e sua mensagem para que as “restituições” – leia-se subsídios – sejam preservados. Padraig Walche, presidente da Copa, reclamou que a renda dos agricultores europeus caiu 12,2%, em média, em 2009, e disse que “é mais importante do que nunca preservar a estabilidade dos mercados”. Ciolos, que agora ganhará € 260 mil por ano, concordou.

Ao se despedir de Bruxelas, a ex-comissária agrícola Marian Fischer Boel admitiu que será ainda mais complicado fazer reformas em um cenário de crise economica. Liberalização agrícola por meio de acordo na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), parece algo distante visto de Bruxelas.

Em 2009, agricultores de França, Bélgica, Grécia e outros paises bloquearam ruas e conseguiram de volta ajuda para leite. Recentemente, também foram autorizados a exportar mais 500 mil toneladas de açúcar, levando o Brasil a prever uma discussão difícil na próxima semana na OMC.

Nos 27 países-membros da UE, uma família de quatro pessoas paga por ano o equivalente a 400 para financiar o nababesco sistema de subvenção agrícola. Um dos beneficiados é um produtor italiano, que recebe US$ 180 milhões ao ano. E ele está bem acompanhando: a rainha da Inglaterra e o príncipe de Mônaco também obtêm ajuda de Bruxelas para suas propriedades rurais.

Na entrevista ao Valor, o presidente da Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu defendeu o orçamento. Seu argumento é que os € 50 bilhões dados pela UE para a agricultura representam só a metade dos US$ 125 bilhões (€ 99,5 bilhões) concedidos pelos EUA a seus agricultores. Em suas contas, a ajuda na Europa representa 0,5% do PIB comunitário; nos EUA, equivale a 1,5%.

“Pior ainda, os EUA continuam exportando com subsídios disfarçados, enquanto a Europa cortou muito essa ajuda para exportação e o dinheiro está em boa parte indo pela “caixa verde” [jargão que significa subsídio que não distorce o comércio internacional]”, acrescentou.

Paolo de Castro crê que o Parlamento Europeu terá o mesmo poder que o Congresso dos EUA na definição de políticas comerciais e agrícola. E como os EUA também começarão a discutir a “Farm Bill” (lei agrícola) para 2012, ele quer fazer pela primeira vez uma grande articulação com os americanos, em setembro ou outubro em Washington.

“Europeus e americanos têm em comum a questão do timing de suas reformas [Farm Bill em 2012, nova PAC em 2013] e a preocupação em estabilizar os preços agrícolas. E querem discutir não só a questão da qualidade, mas tambem da quantidade dos alimentos”, afirmou. Na reforma da PAC, vários paises liberais, como Grã-Bretanha e os nórdicos, vão insistir na redução do pacote de subvenções. A luta será grande com países como a França, um dos maiores beneficiários do sistema de ajuda a agricultores.

Em contrapartida, parece haver consenso para a Europa elevar as exigências nos padrões dos produtos agrícolas importados. “É uma questão de reciprocidade”, disse Castro. “Vamos fazer o que os americanos fazem há 20 anos: não queremos fechar a fronteira, mas os exportadores para nossos mercados precisam dar as mesmas garantias e padrões dadas pelos nossos agricultores”.

Os requerimentos técnicos de Bruxelas não cessam, aumentando a fatura de quem quer exportar para a UE. Como não consegue parar exportações competitivas como as brasileiras através de tarifas na fronteira, tenta freá-las por exigências sanitárias, por exemplo. Mas para o presidente da Comissão Agrícola, “grande amigo do Brasil”, a verdade é “que há Estados no país que não têm o mesmo padrão de qualidade. Santa Catarina é conhecido por seu alto nivel, e não é o caso de todos”.

Mas, na entrevista, Paolo de Castro focou sua atenção na China. “Os chineses não seguem nenhuma regra, direitos humanos, segurança alimentar”, disse. É verdade que Pequim tem uma enorme demanda e é importador liquido de alimentos. Mas também exporta. “Vamos ter cada vez mais problemas com tomate, mel, alho, frutas e vegetais chineses”, prevê o deputado italiano.

Fonte: Valor Econômico