Até alguns anos atrás acreditava-se que a obesidade se devia, em grande parte, ao valor energético dos alimentos que os indivíduos ingeriam. A tese, na verdade, não estava de todo errada, mas faltava ainda uma explicação mais profunda sobre como esse complexo mecanismo de ação se desenvolvia ao nível celular. Diante deste questionamento, os pesquisadores do Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel), da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, foram buscar em modelos animais outras explicações para a gênese da doença e fizeram uma descoberta importante: a ação dos ômegas-3 e 9 pode ser de grande valia nesse processo e trazer novas perspectivas para quem sofre com a doença que assola parcelas cada vez maiores da sociedade moderna.
Estudos recentes desenvolvidos pelo laboratório, coordenado por Lício Velloso, mostraram a forte relação entre dietas ricas em gorduras saturadas – como as presentes nas carnes bovina e suína, e em seus derivados como leite, queijos e manteiga – e o mecanismo de ação da doença em neurônios de uma região do cérebro chamada hipotálamo, responsável pelo controle da fome e do gasto energético. De acordo com esses estudos, as dietas ricas em gorduras saturadas geram um tipo de inflamação local que acaba influenciando em seu funcionamento. Quando prolongado, esse processo inflamatório pode levar à morte de neurônios e, consequentemente, à perda do controle neural. Uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções ao ter reduzida a sua capacidade de “percepção” entre o momento de sinalizar para o organismo a estocagem e a queima de energia. Logo, algumas pessoas, quando expostas a essas dietas, perdem gradativamente o controle da fome e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas com o decorrer do tempo.
A boa notícia é que uma pesquisa recente realizada no Labsincel traz nova luz para esta questão: o estudo mostrou como a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9 (presentes respectivamente na semente de linhaça e no azeite de oliva) é capaz não apenas de interromper como também reverter este processo inflamatório causado pelas dietas ricas em gorduras saturadas. O estudo, intitulado “Ácidos graxos mono- e poliinsaturados no controle da inflamação hipotalâmica em animais obesos e diabéticos”, foi realizado por Dennys Esper Cintra em seu pós- doutorado, com supervisão de Lício Velloso.
A pesquisa revelou ainda que o ômega-9, ao contrário do que se sabia até o momento, é mais potente em reverter essas condições do que o ômega-3, descrição inédita na literatura. Até o momento, apenas o ômega 3 é reconhecido como um clássico anti-inflamatório. Realizada em modelos experimentais, a pesquisa comparou a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9 no hipotálamo de camundongos obesos e diabéticos e demonstrou que essas substâncias são capazes não apenas de atenuar a inflamação e restabelecer o processo de sinalização celular que controla o apetite como também de interromper os sinais de morte celular que vinham se instaurando.
A pesquisa mostrou, no entanto, que para que os resultados sejam efetivamente alcançados é preciso uma ingestão contínua dessas substâncias, somada à descontinuidade da ingestão elevada de alimentos ricos em gordura saturada, ou seja, é preciso que haja uma reeducação alimentar, pois uma vez interrompido o tratamento os neurônios voltam a sofrer o processo de apoptose (morte celular).
Os experimentos demonstraram que a perda de peso não deveu-se apenas à recuperação do controle nervoso da fome, mas também porque tais substâncias aumentaram o gasto energético dos animais. Quando infundido diretamente no hipotálamo, ou mesmo quando consumidos por via oral, ambos ômega 3 e 9 aumentam a expressão de uma proteína chamada de UCP-1 no tecido adiposo marrom, proteína esta que é responsável pelo aumento do gasto energético. Com isso, a atividade das proteínas da via da insulina e da leptina foi restaurada. Os animais se tornaram muito mais tolerantes à glicose e também mais sensíveis às ações da insulina, antes prejudicada pela obesidade.
Um fator surpreendente demonstrado no estudo foi o fato de a resposta mais interessante ter sido demonstrada nos grupos que receberam as menores concentrações na dieta, tanto de ômega 3 quanto de ômega 9, e ainda de serem correspondentes a quantidades passíveis de consumo no dia-a-dia por meio de um acréscimo natural desses alimentos em nossas refeições diárias, sem a necessidade de suplementos alimentares. Alimentos como semente de linhaça marrom, óleo de soja, sardinha e canola apresentam custos razoáveis e também são excelentes fontes de ômega-3. Da mesma forma, o azeite de oliva, óleo soja, abacate e amendoim são fontes saudáveis de ômega-9.
Fonte: Reportagem Cristiane Paião, no ComCiência (LABJOR/SBPC), publicada pelo EcoDebate